A TV pública
A medida provisória que cria a TV pública confirma os temores de quem acreditava que o governo Lula, a pretexto de criar uma rede de comunicação que apoiasse as manifestações culturais regionais e estimulasse a produção nacional de programas educativos, informativos e culturais - no sentido amplo da expressão -, na verdade montasse um esquema chapa branca de promoção dos interesses do governo. Da maneira como está sendo constituída, essa não será uma TV pública - por definição alheia aos interesses do governo e infensa à influência e à propaganda dos governantes de turno -, mas uma TV governamental.
A primeira evidência de que o governo federal está mais preocupado em montar uma rede de comunicação para divulgar as suas realizações e sua propaganda - e não uma TV com finalidades educativas e culturais - é o instrumento escolhido para sua instituição: a medida provisória. Isso mostra que o governo quer evitar o debate em profundidade - que haveria se a matéria fosse tratada em projeto de lei -, primeiro, sobre a necessidade da criação de tal rede e, depois, sobre os mecanismos que a preservariam da indesejada influência governamental. Fosse o Congresso Nacional mais cioso de suas prerrogativas, devolveria ao Planalto essa medida provisória - mais uma - que não preenche os requisitos indispensáveis de relevância e urgência que a Constituição exige para a edição desse tipo de ato. A previsão de que em dezembro devem se iniciar, no País, as transmissões da televisão digital - um processo que se estenderá por uma década - não caracteriza urgência. E não há relevância na criação de um “sistema complementar ao sistema privado de serviços de radiodifusão”, quando se sabe que há décadas funciona, com essa mesma finalidade, a rede Radiobrás, cujo patrimônio, de resto, constituirá o patrimônio da tal TV pública.
A TV pública - ou Empresa Brasil de Comunicação (EBC) - terá, diz a medida provisória, “autonomia em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão”. Essa seria, de fato, a prerrogativa de uma empresa pública de comunicação. Mas não se pode esperar tamanha isenção e imparcialidade de um organismo cujos diretores são, direta ou indiretamente, escolhidos pelo presidente da República.
Começa que o estatuto da EBC será definido por decreto presidencial. O Conselho de Administração será constituído por um presidente, indicado pelo ministro da Comunicação Social, pelo presidente da Diretoria Executiva (nomeado pelo presidente da República), por dois conselheiros indicados pelos ministros do Planejamento e das Comunicações e por um conselheiro indicado conforme o Estatuto (feito pelo presidente da República).
O Conselho Curador, que deveria zelar pela independência da TV pública, será constituído por quatro ministros de Estado e um representante dos funcionários, bem como por 15 “representantes da sociedade civil” indicados na forma do Estatuto (aquele, feito pelo presidente da República). Ou seja, o governo indica os componentes dos órgãos de direção da TV que deveria ser pública e, quando não o faz diretamente, obedece a regras cozidas no Palácio do Planalto.
Para o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, não poderia ser diferente. “Se não for o presidente, quem vai indicar? Na Inglaterra, é a rainha.” De fato. Mas, na Inglaterra, a rainha não governa, reina. Ela não é filiada a partido político nem está sujeita às injunções das disputas eleitorais. Além disso, quando a BBC roça a linha que separa o interesse público do interesse governamental, o Parlamento dispõe de meios para fazê-la voltar aos trilhos. Aqui, o ministro da Comunicação Social tem outra fórmula: “A sociedade vai fiscalizar. Se não for independente, (a TV pública) não vai dar certo.”
A “sociedade” não tem como fiscalizar a TV pública. Poderá apenas dar-lhe ou negar-lhe audiência - que é o que tem ocorrido com as televisões públicas em funcionamento. Mas não terá como impedir que essa rede seja um instrumento de proselitismo eleitoral e de propaganda ideológica. Cabe ao Congresso rejeitar essa medida provisória para que a Nação não lamente, mais tarde, restrições maiores à liberdade de opinião e expressão.
sábado, 20 de outubro de 2007
sábado, 6 de outubro de 2007
COLETIVO CONTRA TORTURA
PROTESTAMOS
A interpretação que prevalece no Brasil sobre a Lei da Anistia (Lei 6.683/1970) é a de que foram anistiados os presos, torturados, perseguidos e condenados durante a ditadura militar, bem como seus algozes, os que prenderam, torturaram e perseguiram, mas que nunca foram julgados e condenados.
Mas além de "anistiados", temos vistos estes personagens, aproveitando-se da falta de memória e de história do período militar, galgarem postos importantes no aparelho do Estado. É o que pode vir a acontecer em breve.
O médico Arildo de Toledo Viana, que assinou o laudo falso de suicídio do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura no DOI-CODI em 25/10/1975, juntamente com Harry Shibata e Armando Canger Rodrigues, está para prestar concurso para Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Sua participação nesta ignominiosa farsa está documentada em inúmeros livros e textos sobre o período, dentre os quais citamos:
- Dos filhos deste solo, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio. São Paulo: Boitempo, 1999, p. 343;
- "Em nome da verdade", abaixo-assinado publicado no jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, em janeiro de 1976 (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=301JDB006;
- Direito à Memória e à Verdade. Brasília: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos/Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2007, p. 408.
Conclamamos a todos aqueles que não querem que a juventude brasileira tenha como mestre alguém que colaborou ativamente com a tortura durante o regime militar, a enviarem seus protestos para:
Secretaria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa São Paulo
Rua Cesário Mota Jr. 61
Vila Buarque
Cep:01221-020
secretaria.medicina@fcmscsp
COLETIVO CONTRA TORTURA
04/10/2007
Pessoal
O email do anexo está errado.
Valem estes
diretoria@fcmscsp.edu.br
diretoria.medicina@fcmscsp.edu.br
A interpretação que prevalece no Brasil sobre a Lei da Anistia (Lei 6.683/1970) é a de que foram anistiados os presos, torturados, perseguidos e condenados durante a ditadura militar, bem como seus algozes, os que prenderam, torturaram e perseguiram, mas que nunca foram julgados e condenados.
Mas além de "anistiados", temos vistos estes personagens, aproveitando-se da falta de memória e de história do período militar, galgarem postos importantes no aparelho do Estado. É o que pode vir a acontecer em breve.
O médico Arildo de Toledo Viana, que assinou o laudo falso de suicídio do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura no DOI-CODI em 25/10/1975, juntamente com Harry Shibata e Armando Canger Rodrigues, está para prestar concurso para Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Sua participação nesta ignominiosa farsa está documentada em inúmeros livros e textos sobre o período, dentre os quais citamos:
- Dos filhos deste solo, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio. São Paulo: Boitempo, 1999, p. 343;
- "Em nome da verdade", abaixo-assinado publicado no jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, em janeiro de 1976 (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=301JDB006;
- Direito à Memória e à Verdade. Brasília: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos/Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2007, p. 408.
Conclamamos a todos aqueles que não querem que a juventude brasileira tenha como mestre alguém que colaborou ativamente com a tortura durante o regime militar, a enviarem seus protestos para:
Secretaria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa São Paulo
Rua Cesário Mota Jr. 61
Vila Buarque
Cep:01221-020
secretaria.medicina@fcmscsp
COLETIVO CONTRA TORTURA
04/10/2007
Pessoal
O email do anexo está errado.
Valem estes
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sábado, 29 de setembro de 2007
Vamos recomeçar ...
domingo, 9 de setembro de 2007
Reunião
Então, gostaria de propor que voltássemos a nos encontrar nas sextas-feiras à tarde, para discutir e debater temas relevantes e recentes. No começo do grupo, estava todo mundo super empolgado e depois a chama foi se esfriando, hoje ninguém mais se lembra da confraria. Porém, acho que a proposta do grupo deve ser de discussões teóricas, em vez de realizarmos atividades práticas, que dificilmente se concretizam, como tirar fotos no jardim botânico. A idéia de trazer convidados é muito legal também e eu sugiro que por nossa iniciativa mesmo, a gente volte a se encontrar e discutir sobre esses temas. Acho que só tem a acrescentar para a nossa formação não só como jornalistas, mas acima de tudo como seres humanos. Abraço.
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Rota Brasil Oeste
Missão e histórico
O Rota Brasil Oeste é um projeto de jornalismo sem fins lucrativos que tem como missão divulgar e valorizar o interior do Brasil num resgate de aspectos históricos, sociais, culturais e de meio ambiente, destacando as regiões visitadas tanto em suas belezas, como em seus conflitos, sempre de forma independente e responsável.
Histórico
A iniciativa começou ainda no ano de 2000 como projeto de conclusão do curso de Comunicação Social da Universidade de Brasília. Esta primeira fase culminou com o lançamento oficial da página na Internet, em 30 de outubro do mesmo ano e com a realização em abril de 2001 da Expedição Rota Brasil Oeste, que refez parte do trajeto original da Expedição Roncador-Xingu, comandada pelos irmãos Villas Bôas na década de 40. Utilizando um recém inaugurado sistema de telefonia via satélite, a viagem percorreu cidades e aldeias indígenas. Numa iniciativa pioneira, a equipe transmitiu, pela primeira vez, dados e informações em tempo real de dentro das aldeias do Parque Indígena do Xingu para uma página na Internet.
Ainda em 2001, o trabalho do grupo foi diversificado com o relançamento da página trazendo novas imagens e uma central de clipping que reúne as principais notícias de divulgação livre sobre assuntos relacionados.
Em novembro do mesmo ano, a equipe do Rota Brasil Oeste foi convidada a participar da Expedição Américo Vespúcio. Organizada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Rio São Francisco e Paraníba (Codevasf) e realizada pela DOMO Arquitetura e Promoções de Eventos, a viagem percorreu o Rio São Francisco da nascente à foz no ano de seu descobrimento pelos portugueses. Seguindo o mesmo modelo de trabalho, uma conexão via satélite abordo do barco permitiu a publicação de textos e fotos ao longo de todo o trajeto.
No ano de 2003, a equipe do projeto visitou a região do Jalapão numa expedição curta com duração de cinco dias. No período, foram visitados não apenas os principais pontos turísticos locais, mas também povoados que trabalham na confecção do artesanato com capim dourado e famílias que sobrevivem da agricultura de subsistência, uma realidade quase nunca vista pelos turistas. Acompanhamos ainda parte do trabalho de demarcação da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins. Futura reserva ecológica que visa preservar a região.
Como comeoração de quatro anos do projeto, em 30 de outubro de 2004, foi relançada a página www.brasiloeste.com.br com novo visual, conteúdo e funcionalidades. Com a renovação, a equipe consolida e diversifica sua autação abrindo mais espaço para colaborações, entrevistas, fotos e clipping de notícias.
Atualmente, o projeto mantém-se graças ao trabalho voluntário da equipe, colaboradores e leitores. Agradecemos a participação de todos.
25/10/2004 Fonte: Rota Brasil Oeste
O Rota Brasil Oeste é um projeto de jornalismo sem fins lucrativos que tem como missão divulgar e valorizar o interior do Brasil num resgate de aspectos históricos, sociais, culturais e de meio ambiente, destacando as regiões visitadas tanto em suas belezas, como em seus conflitos, sempre de forma independente e responsável.
Histórico
A iniciativa começou ainda no ano de 2000 como projeto de conclusão do curso de Comunicação Social da Universidade de Brasília. Esta primeira fase culminou com o lançamento oficial da página na Internet, em 30 de outubro do mesmo ano e com a realização em abril de 2001 da Expedição Rota Brasil Oeste, que refez parte do trajeto original da Expedição Roncador-Xingu, comandada pelos irmãos Villas Bôas na década de 40. Utilizando um recém inaugurado sistema de telefonia via satélite, a viagem percorreu cidades e aldeias indígenas. Numa iniciativa pioneira, a equipe transmitiu, pela primeira vez, dados e informações em tempo real de dentro das aldeias do Parque Indígena do Xingu para uma página na Internet.
Ainda em 2001, o trabalho do grupo foi diversificado com o relançamento da página trazendo novas imagens e uma central de clipping que reúne as principais notícias de divulgação livre sobre assuntos relacionados.
Em novembro do mesmo ano, a equipe do Rota Brasil Oeste foi convidada a participar da Expedição Américo Vespúcio. Organizada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Rio São Francisco e Paraníba (Codevasf) e realizada pela DOMO Arquitetura e Promoções de Eventos, a viagem percorreu o Rio São Francisco da nascente à foz no ano de seu descobrimento pelos portugueses. Seguindo o mesmo modelo de trabalho, uma conexão via satélite abordo do barco permitiu a publicação de textos e fotos ao longo de todo o trajeto.
No ano de 2003, a equipe do projeto visitou a região do Jalapão numa expedição curta com duração de cinco dias. No período, foram visitados não apenas os principais pontos turísticos locais, mas também povoados que trabalham na confecção do artesanato com capim dourado e famílias que sobrevivem da agricultura de subsistência, uma realidade quase nunca vista pelos turistas. Acompanhamos ainda parte do trabalho de demarcação da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins. Futura reserva ecológica que visa preservar a região.
Como comeoração de quatro anos do projeto, em 30 de outubro de 2004, foi relançada a página www.brasiloeste.com.br com novo visual, conteúdo e funcionalidades. Com a renovação, a equipe consolida e diversifica sua autação abrindo mais espaço para colaborações, entrevistas, fotos e clipping de notícias.
Atualmente, o projeto mantém-se graças ao trabalho voluntário da equipe, colaboradores e leitores. Agradecemos a participação de todos.
25/10/2004 Fonte: Rota Brasil Oeste
domingo, 19 de agosto de 2007
Larry Rohter - A hora de dar voz ao silêncio
Domingo, 19 de Agosto - Estado de S.Paulo
Enfim, a hora de dar voz ao silêncio
LARRY ROHTER
Ex-correspondente do New York Times para o Mercosul
Depois de permanecer calado por três anos e meio, jornalista americano conta, nesta entrevista exclusiva e em livro que finaliza, os bastidores da reportagem polêmica que quase o levou à expulsão do Brasil
Flávio Pinheiro e Laura Greenhalgh
Vida de correspondente estrangeiro não deve padecer de monotonia. Se padecer, algo está errado. Ou o correspondente é ruim ou o lugar onde vive, e trabalha, não merece mesmo cobertura especial. No caso de Larry Rohter, até a semana passada representante do New York Times no Brasil e demais países do Mercosul, a monotonia passou longe. Em 2004, ele assinou um artigo que fez trepidar os pilares do Planalto. Sem ter ouvido o “sujeito” da reportagem, Luiz Inácio Lula da Silva, não porque não tentasse, mas porque não foi recebido, escreveu um artigo bombástico a começar pelo título: “Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional”. Leitores americanos tomaram conhecimento de uma prática que, segundo o autor da matéria, estaria comprometendo a capacidade de governar de Mr. Da Silva. “Este jornalista não entra ... está impedido”, teriam sido as poucas palavras de um Lula decidido a expulsar Rohter do País. Abriu-se um acalorado debate na imprensa brasileira. O Ministério da Justiça chegou a notificar a suspensão do visto temporário, um senador entrou com pedido de habeas-corpus em favor do correspondente, o embaixador brasileiro em Washington teve conversas no jornal americano e, finalmente, a crise foi contornada. Mas as cicatrizes ficaram.
Nesta entrevista exclusiva ao Aliás, Rohter repassa a tensão que viveu no Brasil democrático, quando quase foi expulso com base numa lei criada na época da ditadura. Rompe um silêncio de anos: “Lá atrás não pude falar nem me defender. É uma norma do NYT. Agora, como já entreguei o posto, posso dizer o que passei.” Diz, em parte: Larry não está de malas prontas para os EUA, como se noticiou, embora já tenha sido substituído no cargo. Vai ficar no Brasil até o início do ano que vem, terminando o livro que escreve sobre suas duas passagens pelo País (foi correspondente do Washington Post e da Newsweek nos anos 70/80, e voltaria em 98, a serviço do NYT). Promete contar os bastidores da matéria que o presidente reprovou. O livro já tem título: Arestas Insuspeitadas, expressão que sai da música O Estrangeiro, de Caetano Veloso.
William Lawrence Rohter, 57 anos, casado com brasileira e pai de dois filhos, nasceu em Chicago. É filho de mãe imigrante da Escócia e pai descendente de russos. Na juventude, trabalhou como carteiro e operário de uma fábrica de lâmpadas. “Operava na linha de produção com imigrantes latinos e caribenhos. Ali aprendi o espanhol”, relembra. Já o português foi no Brasil, deliciando-se com a fala sonora dos nordestinos, “algo adorável”. Entre os cinco idiomas que domina está o mandarim. Explica-se: além de estudar história da China, na Columbia University, teve uma passagem como correspondente em Pequim, entre a primeira e a segunda estadas no Brasil. Quando finalizar o livro de revelações e mais um outro, seu romance de estréia, a licença que tirou do NYT deve expirar e o “polêmico Larry”, como foi chamado, voltará à reportagem. Provavelmente na China, avisa a quem estiver interessado.
Como se sente ao terminar seu período como correspondente no Brasil?
A decisão de fechar o ciclo foi mais minha do que do jornal. Por razões pessoais pedi para sair. Hoje eu me sinto assim: durante oito anos e meio fiquei (faz o gesto de quem fecha um zíper) com o bico calado neste País. Porque o New York Times tem uma norma que todos os correspondentes devem acatar: não fazer nenhum comentário pessoal sobre assuntos internos do país onde atuam. Então, fiquei quieto. Só que setores inescrupulosos da imprensa brasileira se aproveitaram do meu silêncio e passaram a me atacar.
Isso começou quando?
No início desse período de oito anos não tive problemas, até porque não havia curiosidade sobre a minha pessoa. Dificuldades começaram a partir da reportagem que fiz sobre hábitos do presidente Lula, hábitos comentados no País. Como eu não podia me defender das reações à matéria, certos jornalistas daqui me trataram como se eu fosse a Geni da música do Chico Buarque: vamos jogar pedra porque ele não pode reagir. Continuei trabalhando, calado. A partir do momento em que entreguei meu cargo ao NYT, tornei-me um profissional desimpedido e as regras mudaram. Estou escrevendo um livro sobre o Brasil, contando bastidores dos momentos polêmicos que vivi e oferecendo minha visão dos fatos. Não vou embora de imediato, como alguns órgãos da imprensa têm noticiado. Vou ficar até terminar o livro, no começo do ano que vem.
Sua experiência brasileira se divide em duas fases: antes e depois da matéria polêmica?
Sim e não. Na verdade, minha chegada ao Brasil em 1998 coincidiu com o início do boom da internet. Correspondentes que no passado escreveram sobre o País não foram lidos por brasileiros porque não havia internet. A repercussão que suas matérias suscitavam vinha de segunda ou terceira mão. A partir de 1999, 2000, os brasileiros começaram a ler nos computadores o que se publica sobre o País fora daqui. E, vejam bem, não escrevi esse tempo todo para brasileiros, mas para o público americano, com uma linguagem adequada ao entendimento de lá. Vocês tinham todo o direito e liberdade para acompanhar o que eu estava produzindo, mas talvez não devessem perder de vista que não eram meu público-alvo. Então, os leitores brasileiros passaram a se incomodar com coisas tolas, inofensivas, como quando comparei Caetano Veloso a Bob Marley. Ou quando escrevi que Niterói é para o Rio de Janeiro o que Oakland é para San Francisco. Fiz isso para os americanos entenderem. Com o tempo percebi que as reações eram parte do jogo. E tratei de aceitá-las.
Outros correspondentes estrangeiros, colegas seus, compartilham essa impressão de que a internet os tornou mais visíveis e vulneráveis?
Sim. Eu não saberia dizer que tamanho tem meu público brasileiro na internet, mas é muita gente. O leitor daqui, como qualquer outro, tem curiosidade sobre si mesmo: o que estão dizendo de mim lá fora? O que falam do meu País? Isso é natural. O NYT, dos grandes jornais americanos, talvez seja o mais lido na internet.
Acha mesmo que o presidente queria ir às últimas conseqüências?
O que eu acho é que, desde o início do caso, o presidente foi mal assessorado. Difícil saber o que de fato aconteceu no Palácio do Planalto naqueles dias, mas tudo indica que as coisas ficaram muito ruins pro meu lado. Só mudaram de curso quando o então senador Sérgio Cabral entrou com um habeas-corpus a meu favor. Ali, e só ali, senti que, num eventual julgamento da questão, o Supremo, inteiro ou em boa parte, ficaria contra o governo. O ministro Márcio Thomaz Bastos (da Justiça) não tinha outra opção a não ser costurar um acordo.
Além da reação do Planalto, sua matéria causou uma longa e estridente questão na imprensa brasileira. Jornalistas sustentam que você afirmou coisas graves sobre o presidente, sem apresentar provas.
Mas provar o quê? Eu não sou tira nem médico para provar... Havia um tremendo zunzunzum no meio político. Brizola teve a coragem de afirmar publicamente o que se comentava. E, claro, Brizola não foi minha única fonte. Escrevi refletindo o ambiente: o presidente brasileiro tinha um hábito que o estaria prejudicando no exercício do poder. Isso eu não inventei! Mas setores da imprensa, liderados pelo jornal O Globo, ou melhor, pelas Organizações Globo, resolveram me atacar. Acho que há uma obsessão com o que sai no NYT. Matérias que fiz foram mal interpretadas, mal traduzidas, publicaram-se coisas que nunca disse, fico indignado. Por exemplo, escrever que eu disse que a Garota de Ipanema hoje é gorda? Que absurdo! Era um janeiro em que nada acontecia no Rio, então o jornal criou uma polêmica xenofóbica, baseada em mentiras.
Recapitulando: você fez uma matéria afirmando que o brasileiro tem uma dieta alimentar pobre em nutrientes, mas rica em gorduras e carboidratos, o que estimularia a obesidade na população. E ilustrou a reportagem com fotos de mulheres gordas, numa praia do Rio. Só que elas eram checas, e não brasileiras. Certo?
Certo. E o que o Globo fez? Desqualificou meu trabalho, sabendo que eu não faço fotos e nem estava com o fotógrafo quando ele capturou as imagens. O jornal também disse que o NYT publicou cinco fotos da série, quando usou apenas duas. E o nosso ombudsman acusou o erro do fotógrafo. Os critérios da imprensa americana são mais rigorosos que os critérios da imprensa brasileira. (Nota do jornalista Rodolfo Fernandes, diretor de redação de O Globo: “ O jornal não tem ‘obsessão’ com o que sai no NYT. Tem respeito por seu padrão de qualidade. O que não impede que o NYT erre. Como no caso do presidente Lula, quando se baseou em fontes desqualificadas. No caso da ‘Garota de Ipanema gorda’, o Globo descobriu que era uma reportagem errada e o ombudsman do NYT pediu desculpas”.)
Então falemos de critérios. Quais são os seus?
Ouvir os dois lados sempre. Se possível, ouvir todos os lados da questão. E tentar refletir fielmente idéias ou posições.
Zunzunzum vale como notícia?
Naquela situação, sim. Comecei a apuração e procurei o Planalto. Queria falar com o presidente. Não fui recebido, mal consegui tratar com a assessoria dele. O secretário de imprensa, Ricardo Kotscho, não me recebeu. Falei com o número 2, Fábio Kerche. Apresentei minhas questões. Aguardei uma manifestação por dez dias e nada. Até que aconteceu um fato, que vou revelar no livro, e voltei a fazer contato com o assessor. Disse-lhe: “A coisa vai sair. Se vocês quiserem se manifestar é agora”. Ainda coloquei uma declaração transmitida pelo assessor na minha matéria. Mas jamais me receberam, jamais quiseram saber o que eu sabia.
Como era a sua relação com o governo antes da matéria?
A relação com o PT sempre foi difícil para qualquer correspondente estrangeiro. Com o PFL, o PSDB, o PMDB não há a mesma veemência ao reagir às reportagens que saem no exterior. Mas, quando se trata do PT, a chiadeira é quase infantil. Fiz uma matéria sobre a relevância política do divórcio de Marta e Eduardo Suplicy, figuras de destaque na política nacional. Cumpri uma pauta que esteve presente em todos os veículos de comunicação do País. Quando saiu a reportagem, o Genoino, então presidente do partido, escreveu uma carta de quatro páginas, reclamando que o tema não era legítimo, que era sensacionalismo. Em outra oportunidade, lá veio carta do Bernardo Kucinski alegando que o PT não tem facções, nem grupo xiita. Ora, o Brasil sabe que o PT tem. Havia dificuldades de comunicação com os ministérios, salvo algumas exceções. Como o José Viegas. Quando ele esteve na Defesa, soube lidar muito bem com os correspondentes.
Invertamos a situação: se um correspondente brasileiro assinasse a mesma matéria sobre o presidente americano, o que aconteceria?
Já aconteceu! Já se falou de Bush e seu consumo de bebidas.
Em relação a tempos de juventude, ao passado dele.
E que estaria curado, convertido, Bush nasceu de novo... Passamos por escândalos imensos, como o caso Monica Lewinsky, no governo Clinton, e o país continuou firme. Eu acharia uma bobagem impugnar Clinton por esse motivo. Curiosamente, na época em que eu estava fazendo a matéria sobre Lula, gente do Planalto tentou me dissuadir do trabalho lembrando justamente o affaire Clinton-Lewinsky, argumentando que a intimidade de um presidente não é pauta. Respondi que qualquer tópico que tenha a ver com o desempenho do presidente é pauta.
Você sofreu algum tipo de repreensão da parte do New York Times?
Eu, nunca. Houve cartas ao jornal e o então embaixador brasileiro em Washington, Roberto Abdenur, por quem tenho grande respeito, cumpriu o papel que lhe cabia. Falou com a direção do NYT, mas o jornal ficou firme. Isso não ficou claro na imprensa brasileira. Houve muita distorção. Falou-se que eu teria me refugiado no escritório do meu jornal em Buenos Aires. Ao contrário, eu estava lá e voltei quando vi a confusão armada! Vi toda a crise aqui no Rio, assistindo do meu apartamento à cobertura e consultando ao mesmo tempo meus advogados. Não saí do País, o ombudsman do NYT não se manifestou, não houve pedido de desculpa do jornal, não houve carta ao governo, nada. Apenas um recurso para revogar a ordem de expulsão, medida legal, preparada por advogados brasileiros.
Durante a crise, com quem você falava no New York Times?
Quando um governo tenta expulsar um correspondente o assunto é sério. Chegou à cúpula. Falei muito com Bill Keller, o editor-chefe, também pela experiência que ele teve como correspondente na URSS e na África do Sul. Bill sabe que às vezes os governos reagem com o fígado. A questão toda era como contornar a crise, porque eu queria continuar no Brasil e o jornal também queria isso.
O zunzunzum que você refletiu na matéria era exagerado? Ou melhor: hoje vê alguém argumentando que Lula tem problemas em governar porque beberia?
Não, não. Hoje ele enfrenta dificuldades de outra ordem. Até o Luiz Furlan, quando ainda era ministro, falou que o problema não existe mais. Comentou isso logo no início da segunda campanha. Disse que o presidente havia perdido peso, que estava com a maior disposição, que deixou de beber.
Sua matéria, por caminhos tortuosos, teria contribuído para isso?
Prefiro deixar a resposta para o livro. Mas tenho amigos no PT que têm feito comentários nesse sentido.
Quantas vezes você esteve com Lula, dentro ou fora da presidência?
Ele diz que nunca tomou um guaraná comigo. Não é bem assim. Como correspondente da revista Newsweek, passei quase uma semana acompanhando Lula em 1978, na greve do ABC. Eu o segui em andanças pela América Latina e possivelmente assinei a primeira matéria sobre ele na imprensa americana. E era favorável ao líder metalúrgico que despontava.
Você disse que tem amigos no PT. Quem lhe deu apoio?
Não vou dizer os nomes porque eles podem ter problemas.
Foi gente do primeiro escalão?
Não posso dizer. Não vou queimar pessoas que estimo.
O fato de ser casado com brasileira e ter filhos brasileiros ajudou a pacificar as coisas?
Sim. Tive uma família para me apoiar, parentes de minha mulher foram importantes naquele momento. A execração pública dói. Não é fácil ver seu nome citado na TV, nos jornais. Minha mulher foi fazer compras e quando apresentou o cartão de crédito a pessoa do caixa disse: “Ah, então você é mulher dele”. Isso aconteceu. Para ela foi mais difícil, para mim era parte do jogo. Como dizia Harry Truman, se você não agüenta o calor, melhor sair da cozinha.
Como você vê as relações entre mídia e poder no Brasil?
Durante a ditadura eu admirava a imprensa brasileira. Ali existia um jornalismo que era vocação, não só carreira. A morte de Vladimir Herzog foi algo que me marcou. O próprio Estado, ao publicar trechos de Os Lusíadas, para resistir à censura, foi algo tocante. Ali vi imprensa de qualidade. Jornalistas e empresas de comunicação até pagaram um preço alto por isso. Hoje em dia, as coisas são diferentes. Há jornalistas de gabarito, mas a imprensa brasileira navega num mar de mediocridade, com algumas ilhas de excelência.
Sua crítica aplica-se somente ao Brasil?
Não. Atravessamos uma época em que entretenimento e jornalismo se confundem, isso no Brasil, nos EUA, na Europa, no mundo inteiro. Uma época em que o jornalista quer ser celebridade, especialmente na TV. Porque os valores são outros, os interesses,também. Ah, talvez eu esteja ficando velho...
A imprensa brasileira é tolerante ou crítica demais com o poder?
A questão é outra. Governar é fazer coisas. E fazer jornalismo é criticar. A crítica é um elemento-chave na profissão. Não vou ao extremo do “si hay gobierno soy contra”, mas é papel da imprensa olhar os governos e dizer “aqui está errado”. Agora mesmo, o grave acidente aéreo de SP virou símbolo de uma crise maior. Quais as razões que levaram ao desastre em Congonhas? Não sabemos. Mas há uma crise maior, crise nos serviços, afinal, somos usuários, não há como negar. Então, por que dizer que a cobertura está exagerada? Quem não lembra das críticas ao apagão de energia, feitas pelo PT, no final do governo do FHC? Falta de planejamento, falta disso, falta daquilo. Era uma crítica perfeitamente compreensível. Lembremos de como Bush apanhou da imprensa americana depois do furacão Katrina. E mereceu apanhar! Ver aqueles velhos morrendo em frente do estádio foi terrível. Pois ver os corpos carbonizados em Congonhas produz o mesmo sentimento. O povo sabe julgar. E nós, na mídia, somos instrumentos dessa opinião pública que ora castiga, ora absolve.
O que o incomodou mais: a reação do governo ou dos veículos?
Crítica injusta sempre dói, não importa de onde venha. No caso da imprensa, houve mais hipocrisia, pois trataram de bater num jornalista estrangeiro, o gringo que falou coisas que essa mesma imprensa já vinha falando, por códigos. Não fiquei magoado. Fiquei indignado.
Qual é o peso da cobertura latino-americana no NYT?
Com a guerra do Iraque, ficou mais difícil conseguir o espaço que sempre estou querendo. Mas a cobertura é ampla. Tudo o que acontece aqui é pauta, em três grandes áreas: política, economia e cultura. Só que também escrevo sobre religião, esporte, sociedade.
Foi divulgada uma pesquisa segundo a qual 69% dos americanos não sabem quem é Lula.
Não causa espanto. Quando eu era correspondente para a América Central, nos anos 80, fiquei deprimido com uma pesquisa de opinião mostrando que só 15% dos americanos sabiam de que lado os EUA estavam nos conflitos na Nicarágua e em El Salvador. O governo Reagan estava com os sandinistas? Apoiava os contras? A população estava por fora. Se hoje um terço dos americanos sabe quem é Lula é um avanço, até porque no Brasil não tem guerra. A biografia de Lula impressiona e ele seguramente é mais conhecido nos EUA do que o Fernando Henrique. Clinton era filho de uma enfermeira, mãe solteira, cresceu num Estado pobre. Isso contou muito. Lula é parte da nossa mitologia. Lembra romances do Horatio Alger Jr. (escritor americano do século 19), histórias de garotos pobres em busca do sonho americano.
A cobertura sobre o Brasil nos EUA não é um tanto folclorizada?
Eu diria que vocês, jornalistas, se preocupam muito com isso. A época da cobertura exótica, do tipo futebol-praia-samba-carnaval, já passou. Neste momento o enfoque principal dos jornalistas estrangeiros em relação ao Brasil é o etanol. Eu mesmo já fiz matérias sobre Fapesp, Embraer, sobre todos os aspectos da cultura brasileira, não entendo quando dizem que só queremos o exótico. Não é verdade.
A revista The Economist disse que o brasileiro ou se sente o máximo ou no fundo do poço. Faz sentido?
Um jornalista brasileiro me disse “somos o Mohammed Ali do mundo em desenvolvimento, os maiores e piores ao mesmo tempo”. Eis o Brasil dos extremos. Quando escrevo sobre praia, futebol e mulher bonita, tem gente que pensa que estou folclorizando o País. Mas esses assuntos são parte da realidade, não há como ignorá-los. Já quando escrevo sobre as mazelas brasileiras, como miséria e racismo, daí um setor ufanista se levanta e grita “não toque no País!” Amigos brasileiros já me disseram: “Nós podemos falar essas coisas, você não”. Sou admirador de Nelson Rodrigues, que cunhou aquela expressão imortal em relação ao brasileiro, o “complexo de vira-lata”. Isso entra nessa conversa.
Você pediu um ano sabático no NYT para escrever um livro. Fale sobre esse projeto.
Não preciso de um ano sabático, mas de meses sabáticos, pois o livro já vinha sendo escrito. Sabe como é, uma noite numa cidade como Humaitá, no Amazonas, o que fazer depois do jantar? Eu escrevo. Minha intenção é revelar os bastidores de reportagens minhas. Ao mesmo tempo, transmitir a experiência que vivi nesses anos todos. Minha convivência com o Brasil vem lá de trás, dos tempos da ditadura e do general Médici.
Que idade você tinha quando pisou pela primeira vez neste país?
Tinha 22 anos e era funcionário da Rede Globo em Nova York. Vim trabalhar no Festival Internacional da Canção, no Rio.
O que você fazia na Globo de Nova York?
Um pouco de tudo. Ajudava na área de música, comprava matérias de revistas americanas e fazia produção para o Fantástico, que estava nos primórdios. No Brasil fui me deixando ficar, mais na condição de estudante em viagem. Eu fazia pós-graduação na Columbia University, em História Moderna e Política da China. O que me atraiu no Brasil? A cultura, começando pela música. E a maneira como o brasileiro, no dia-a-dia, driblava a ditadura. Num país como a Argentina ou o Chile era diferente. Lá, o sistema político repressivo passou a controlar todos os aspectos da vida. Aqui, não. Descobrir isso foi fascinante. Consegui então um emprego no Washington Post, primeiro como crítico de música, depois de cultura popular, e assim fui criando vínculos com o Brasil. Milton Nascimento já disse que a primeira reportagem sobre ele na imprensa americana foi assinada por mim. Eu queria era vir para cá.
Como foi encarar os militares em 1974, quando você finalmente desembarcou no Brasil como correspondente do Washington Post ?
Muito difícil. Em 1978, fui a Marabá fazer uma matéria sobre a guerrilha do Araguaia e o general Hugo Abreu mandou me prender. Com a ajuda de pessoas amigas, pude me esconder até que as coisas se acalmassem em Brasília. Com a visita ao País do Jimmy Carter, no mesmo ano, a ditadura ficou muito ligada, porque ele poderia falar de tortura, prisões. Ali, eu me aconselhei muito com Raymundo Faoro. A mulher do Carter, Rosalyn, tinha um casal de amigos em Pernambuco, da família Steiner. Por meio desse contato ela sabia dos abusos que ocorriam no Brasil. Foi um momento tenso, o governo Carter não queria que os EUA vendessem armamento para o Brasil. Foi daí que o País começou a se esforçar para criar uma indústria bélica nacional. Heitor de Aquino, secretário do Geisel, chegou a reclamar das “matérias tendenciosas de Larry Rohter”.
Na ditadura, você correu o risco de ser preso. Agora, com o País redemocratizado, correu o risco de ser expulso. Como recebe isso?
Pior: em 2004 corri o risco de ser expulso com base em lei dos anos 70, dos anos de chumbo. O Lula, perseguido pela ditadura, recorreu a uma lei da própria ditadura para me punir. Horrível.
Já o chamaram de agente da CIA ou espião do governo americano.
Paranóia que acaba por prejudicar o trabalho do correspondente. É um absurdo pensar que eu seja agente da CIA, ou do Departamento de Estado, ou de qualquer outro organismo do governo americano, como afirmaram pessoas como o ex-ministro Luiz Gushiken e frei Betto. Disseram que minha atuação no Brasil obedecia a interesses externos porque o Lula estava na luta contra a fome no mundo, em disputas na OMC, que o País estava se projetando mais, então essa “gente de inteligência” vem para cá acabar com o Lula. Absurdo! Basta pesquisar minhas matérias no Google para descobrir que eu já fazia artigos favoráveis à luta do Brasil contra o protecionismo na OMC, só para citar um exemplo. Claro, fiz matérias contundentes sobre a Amazônia e os militares até se ofenderam. Recentemente, visitei uma aldeia ianomâmi, que fica ao lado de uma base militar, e constatei que soldados mantinham relações com meninas indígenas, inclusive engravidando-as. Fiz a reportagem. E os militares ficaram zangados com a “intromissão”.
Sua área de cobertura abrange os países do Mercosul. Mas você também cobriu a Venezuela, não?
A cobertura atual, focada nos países do Mercosul, resulta de uma reconfiguação das áreas de correspondência do NYT. Em 2000 e 2001, também tive que assumir Colômbia e Venezuela. Depois o jornal fechou o escritório em Buenos Aires, para tristeza dos argentinos, que até nisso competem com os brasileiros, e abriu um escritório em Bogotá, mais tarde transferido para Caracas. Acabei ficando com a cobertura do Mercosul, sediado no Rio. A última grande reportagem que fiz na Venezuela foi a tentativa de golpe contra o Chávez, em 1999.
Você teve problemas em outros países do continente?
Chávez reclama de modo geral da imprensa estrangeira. Minha relação com os chilenos é ótima. O governo Lagos foi, disparado, o melhor em termos de relacionamento com os correspondentes. Isso continua com Michelle Bachelet. Agora, a Argentina é difícil. Kirchner não gosta de imprensa - nem da nacional, nem da internacional. Tive outras experiências no passado, como ser correspondente em Cuba.
Exatamente em que período?
Fidel, claro (ri). Em 61, o NYT teve que fechar sua sucursal em Havana e desde então pedimos vistos quando precisamos trabalhar na ilha. A primeira vez que fui a Cuba foi nos anos 80, durante a crise de Mariel (milhares de refugiados pediram asilo na Embaixada do Peru, em Havana, e o governo cubano então resolveu facilitar a saída de 130 mil pessoas, pelo porto de Mariel). O ano de 1980 foi curioso: em abril, fui preso no Chile, pela guarda naval de Pinochet. No mês seguinte, expulso da Cuba de Fidel.
Como você foi expulso de Cuba?
Ainda trabalhava para a Newsweek. Eu estava hospedado num hotel e simplesmente bateram à porta do meu quarto dizendo: “Seu visto acaba de expirar. O senhor volta no próximo vôo”. Me levaram para o aeroporto e o vôo era num DC3 da 2ª Guerra Mundial. Durante a viagem, uma janela quebrou e descolou do corpo do avião. Estávamos a 6 mil pés. Um jornalista da rede CBS, que estava a bordo, tapou o buraco com uma placa de metal e fita adesiva. Seguimos viagem.
Você voltou a trabalhar por lá?
Sim. Nos anos 90, voltei à ilha algumas vezes, momentos em que o governo cubano queria repercutir alguma coisa nos EUA, por meio do jornal NYT. Cheguei a jantar duas vezes com Fidel. Numa delas fui com meu chefe e Fidel estava em companhia de Gabo (apelido do escritor Gabriel García Márquez). Na segunda vez, estavam no jantar filhos do senador Robert Kennedy, morto em 1968. Nessa época eu morava em Miami e sintonizava a Rádio Mambi, que vivia martelando ataques contra Fidel. Um belo dia ouvi o locutor da rádio dizendo “el corresponsal comunista de New York Times acaba de publicar una nota....”.. Olha só, fui chamado de comunista pelos anticastristas de Miami.
E a prisão no Chile?
Foi em Puerto Montt, cidade encantadora, num lindo domingo. Eu estava lá tirando fotos e chegou um policial com ordem de prisão. Me levaram para a base e diziam que eu era espião argentino. Era época da disputa pelo Estreito de Beagle entre Argentina e Chile. Não é insólito? Falo espanhol com sotaque caribenho, não como sul-americano. Mas cismaram comigo.
Há governos de perfil populista na América Latina, cujos líderes querem falar direto com as massas, sem intermediação. Isso complica o trabalho do correspondente?
Lula não é da mesma escola do Chávez. Nem Evo Morales. Para mim, eles são diferentes. Sei que esses líderes querem um contato direto com o povo, mas também querem contato com o governo dos EUA. Daí a mídia estrangeira ser importante para eles. Somos um canal. E os presidentes sábios sabem aproveitá-lo.
Que balanço você faz dos anos passados no Brasil?
Vivi muita coisa. Fiquei doente na Amazônia, um prefeito do Pará quis me matar ... se mataram até uma freira, por que não iriam fazer o mesmo comigo? E hoje tem esse drama da violência urbana, problema sério - embora não seja difícil para um repórter estrangeiro subir um morro do Rio, é só combinar com a pessoa certa. Também tive momentos prazerosos. Como ouvir um nordestino falando. Adoro o sotaque! O português é o sotaque que mais aprecio dentre as várias línguas que falo (inglês, espanhol, português, mandarim e russo). Mas o nordestino é campeão na criação de frases e expressões. Isso explica a coleção que tenho de cordel. Tenho mais de 2 mil livrinhos, colecionados em 35 anos de viagens. Na verdade, descobri o cordel no Rio, na Feira de São Cristóvão. Fui me aproximando desses artistas nordestinos, especialmente dos pernambucanos. J.Borges, cordelista e famoso pelas xilografias, virou amigo. Dila, poeta popular de Caruaru, é um gênio, sobretudo em temas relacionados a Lampião e Maria Bonita. Dila até me retratou na capa de um cordel. Gosto da música brasileira de A a Z literalmente, de Arnaldo Antunes a Nação Zumbi. Gilberto Gil é sensacional. Como instrumentista, poeta, ministro. Tem aquele traço que reconheço nos brasileiros: generosidade de espírito. E pensar que ele, ao sair da prisão, no DOI-Codi da rua Barão de Mesquita, embarcou num avião e compôs Aquele Abraço... Isso demonstra a pessoa extraordinária que é.
Escritores brasileiros favoritos.
Li um bocado: Márcio de Souza, também amigo. E li Clarice, Moacyr Scliar, Dalton Trevisan, Euclides da Cunha, Machado de Assis... O Brasil é uma potência cultural, tentei passar isso lá fora. Meses atrás, fiz um artigo sobre uma caixa de seis discos, gravações feitas no Nordeste, nos anos 30, por encomenda de Mário de Andrade. A matéria não apenas ficou na lista das mais lidas do NYT como as gravações foram incluídas nas listas de MP3 e executadas por milhares de leitores. Escrever sobre um romancista brasileiro contemporâneo, como Luiz Alfredo Garcia-Roza, apresentando-o para o leitor americano, é gratificante.
E abriu as portas do mercado editorial americano para ele. Mas no Brasil tem muito impacto o que vem de fora. Tanto que Henfil criou o bordão “deu no New York Times”.
O que é um peso. Trata-se apenas de um jornal.
E no futebol, a paixão nacional?
Ah, sou amante do beisebol, do Chicago Cubs, meu time, minha doença. A paixão pelo beisebol facilitou minha relação com Chávez. Ele adora o esporte. Foi arremessador, canhoto inclusive, e sabe tudo. Poderia tranqüilamente ganhar a vida como locutor de beisebol. No Brasil, direi que sou mais ou menos vascaíno.
Você será correspondente em outro lugar? Ou se vê trabalhando na redação do NYT?
Não sei o que virá depois dos meses sabáticos. Ficar oito anos e meio num posto, como fiquei aqui, é recorde no jornal. Porque peguei um momento interessante no Brasil, faço uma cobertura ampla, o que é cada vez mais valorizado nos dias de hoje. Definições sobre meu futuro vão depender do resultado das eleições presidenciais nos EUA. Lutei muito para aprender a falar, ler e escrever o mandarim - e faço as três coisas. Seria talvez interessante voltar para a China. No meu primeiro período como correspondente no Brasil saí do Rio para Pequim. Talvez seja bom refazer a rota e terminar a carreira na China.
Hoje, se você estivesse com Lula numa entrevista, perguntaria o quê?
Na comissão que investigou o escândalo Watergate, o senador Howard Baker repetia sempre a mesma pergunta em relação a Nixon: “What did the president know and when did he know it?” É a questão fundamental. Pois eu perguntaria a Lula a mesma coisa em relação ao mensalão: “Presidente, o que o senhor sabia e quando soube?”
terça-feira, 14 de agosto de 2007
Qual crise?
É acintosa a hipocrisia quando o tema é "crise aérea". O debate é necessário. Porém, por que não fazê-lo também sobre outras crises que há muito mais tempo assolam milhões de homens e mulheres diariamente? São incontáveis as horas úteis perdidas por trabalhadores e estudantes de todas as idades nos ônibus, trens e barcos do Brasil. É bom ressaltar que não se trata de uma crise constatada nos últimos 10 meses e sim, nas últimas décadas. São veículos, na sua maioria, inadequados ao transporte de pessoas, verdadeiros caminhões encarroçados na forma de ônibus, e em péssimo estado de conservação. Estou falando de ônibus e trens que chovem dentro durante a chuva; que sujam e rasgam a roupa do trabalhador; de 10 pessoas por metro quadrado, o que só é comparável a gaiolas que transportam bois e porcos do local de suas engordas ao matadouro; de veículos que quebram e de viagens que não chegam a acontecer; de uma gestão pública que não se apresenta nunca; de artifícios desenhados para ampliar o lucro de empresários, alongando intervalos, superlotando veículos e atrasando a vida do passageiro. O curioso é que nunca vimos alguém defender a necessidade da criação de CPI’s para discutir o assunto. Os jornais falados, escritos e televisados sequer tangenciam o tema em suas pautas. A não ser quando a crise do transporte público afeta o ir e vir dos cidadãos um pouco mais nobres, como os que conseguem se deslocar com seus próprios veículos. Em uma greve recente dos metroviários na cidade de São Paulo um repórter alardeou na televisão: "O trânsito da cidade está caótico com a greve dos metroviários". Se não fosse pelo caos no trânsito, era bem possível não sabermos que o metrô parou, três vezes só neste ano, na maior cidade brasileira. Isso se dá, pura e simplesmente, pelo fato de os brasileiros que utilizam os serviços de transporte coletivo serem, na maioria, cidadãos pertencentes às classe C e D, carentes de canais para denunciar os seus problemas cotidianos. Os cidadãos da classe E andam a pé por não ter condições de arcar com o preço das tarifas.O ciclo é tão vicioso, que nós fomos convencidos que pessoas classificadas nas classes A e B valem mais que as demais. Se um usuário de transporte público for entrevistado no interior de um terminal de ônibus urbano em qualquer cidade brasileira, ele irá discorrer sobre a crise aérea com mais propriedade do que falaria sobre as causas das mazelas que enfrenta em seus deslocamentos diários. Mesmo que nunca tenha pisado em um aeroporto. Por quê?Esta orquestra tem um maestro: a mídia. No contexto sócio- econômico-cultural de país em desenvolvimento, a mídia exibe uma força descomunal e um imenso poder de persuasão. Cabe lembrar que em países como França, Inglaterra e os Estados Unidos, esse poder diminuiu na medida em que a democracia se fortaleceu. A sociedade passa a se balizar em mais variadas fontes de informação. Aqui, a mídia tenta reger a sociedade e os políticos. Aqui a mídia causa.O setor aéreo tem passado por grandes transformações nos últimos anos. O número de passageiros se multiplicou com o início de um processo de "deselitização" do transporte aéreo, previsível no cenário de melhor distribuição de renda e relativo crescimento econômico. Em 2000, Congonhas, em São Paulo, recebeu 10 milhões de passageiros e o aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, 5 milhões. Em 2006, 18 e 9,6 milhões, respectivamente. Em todo o país, o crescimento também foi expressivo. Em 2003, eram 72 milhões, no ano passado,esse número chegou a 102 milhões. Curiosamente, o número de aeronaves das maiores companhias caiu de 350 em 2001 para 265 hoje.A infra-estrutura, de fato, não acompanhou a velocidade desse processo e deixa a desejar em vários aspectos. Porém, as apurações dos dois trágicos acidentes que mataram quase 400 pessoas, apontam para falha humana ou mecânica como causas dos desastres. Ou seja, a crise não merece o status de caos nacional, diante dos enormes problemas sociais que temos. Respostas precisam ser dadas. Mas outras muitas perguntas estão lançadas. Como aceitar quem, a cada dois dias, morram em acidentes de trânsito no País o equivalente a uma tragédia com o avião da TAM, cheio de gente? Quanto isto custa para nós em dores e em dólares? Serviços essenciais a todos os brasileiros como saúde, educação, moradia, alimentação, transporte público, segurança, lazer e, inclusive, o sistema de transporte aéreo merecem toda nossa atenção e empenho. Não podemos esmorecer alegando cansaço como alguns. A luta é árdua e a estrada é longa.
Olmo Xavier
Olmo Xavier
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
Presidente da CUT explica o surgimento do "Cansamos"
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva, diz que o ''Cansamos'', movimento criado para contrapor o ''Cansei'', nasceu para colocar em evidência as contradições do discurso oportunista promovido por entidades como a Fiesp e a OAB-SP.
Em entrevista ao sítio Terra Magazine, o presidente da CUT diz que o ''Cansamos'' ainda está sendo articulado com outras centrais sindicais, mas sua principal função será corrigir a falta de foco do ''Cansei'', que em seus protestos ignora completamente a pauta dos trabalhadores brasileiros.
Confira abaixo a entrevista:
O que é o movimento ''Cansamos''?Logo após a o anúncio pela mídia do movimento da OAB e da Fiesp, nós resolvemos discutir com a entidades sindicais ligadas à CUT um movimento para dizer que também cansamos. Cansamos do trabalho escravo, cansamos de trabalho infantil, cansamos das taxas bancárias, cansamos dos acidentes de trabalho.
Por que lançar o movimento?Pra colocar um contraponto, não uma posição contrária, mas um contraponto à campanha da OAB que inclua na pauta a agenda dos trabalhadores.
E como isso foi articulado?Nós entramos em contato com algumas centrais sindicais, a CGTB, a UGT, e começamos a debater uma forma de botar a campanha nas ruas. Nós estávamos discutindo ainda, mas, aí, provavelmente alguém vazou pra Folha de S.Paulo, então, a campanha acabou indo pra rua antes da hora. Mas a idéia ainda é fazer algumas reuniões com as centrais sindicais para definir a pauta e a forma de encaminhamento dessa agenda dos trabalhadores.
Depois disso, a campanha vai pra rua?E aí fazer mobilizações, atos de rua...
Houve algum contato com o governo?Não, na verdade, não. Nós fizemos a partir da própria campanha da OAB. Pra gente ela está, senão desfocada, está faltando coisa. Nós não enxergamos a pauta dos trabalhadores, a agenda dos trabalhadores. A discussão está quase apenas sobre a tragédia. É lógico que todo mundo é contra a corrupção, é lógico que todo mundo é contra a impunidade, agora, nós precisamos também falar sobre as coisas que acontecem no dia-a-dia dos trabalhadores e que afetam o conjunto da classe trabalhadora.
A impressão, então, é de que há o ''Cansei'' dos patrões e o ''Cansamos'' dos empregados...
Não sei... Por exemplo: nós tivemos a informação de que o ''Cansei'' é só da OAB de São Paulo, que a OAB do Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma postura diferente, está querendo fazer uma coisa mais ampla. A nossa intenção não foi fazer uma contraposição ou um embate. Mas não dá pra você ter, por exemplo, uma Philips, que está propondo fechar cinco seções de fábricas no Brasil, aparecer na mídia como se não tivesse nada a ver com o que acontece no Brasil.
Quantas demissões vão acontecer se fecharem as seções?São 1.300, mais ou menos. É contraditório, porque aí a empresa participa de um protesto parecendo que não tem nada a ver com a sociedade, as coisas do dia-a-dia.
Diferença entre discurso e prática?Diferença entre discurso e prática. Quer dizer, só vale fazer campanha em relação à crise aérea, não vale fazer campanha em relação ao fechamento de cinco fábricas?
Então a intenção do ''Cansamos'' é ampliar a pauta do ''Cansei''?Exatamente. Quer dizer, é colocar a nossa pauta. Não dá pra ficar numa pauta que aproveita, na minha opinião, esse debate do acidente não fazendo relação com o que acontece no dia-a-dia do trabalhador.
As primeiras reações foram de dizer que o movimento da CUT é pró-governo, que a CUT é petista. É?Não... Desde o início do primeiro mandato do governo Lula nós recebemos essas críticas de que a gente está sendo pró-governo. Nós não somos pró-governo. Inclusive, algumas das nossas reivindicações são claramente contra o governo federal. A questão de uma menor taxa de juros, menor superávit primários... Quem mais fez greve durante o governo Lula foi a CUT e seus sindicatos filiados. A CUT não está pró-governo, é só olhar a nossa pauta.
Fonte: Portal Terra
Em entrevista ao sítio Terra Magazine, o presidente da CUT diz que o ''Cansamos'' ainda está sendo articulado com outras centrais sindicais, mas sua principal função será corrigir a falta de foco do ''Cansei'', que em seus protestos ignora completamente a pauta dos trabalhadores brasileiros.
Confira abaixo a entrevista:
O que é o movimento ''Cansamos''?Logo após a o anúncio pela mídia do movimento da OAB e da Fiesp, nós resolvemos discutir com a entidades sindicais ligadas à CUT um movimento para dizer que também cansamos. Cansamos do trabalho escravo, cansamos de trabalho infantil, cansamos das taxas bancárias, cansamos dos acidentes de trabalho.
Por que lançar o movimento?Pra colocar um contraponto, não uma posição contrária, mas um contraponto à campanha da OAB que inclua na pauta a agenda dos trabalhadores.
E como isso foi articulado?Nós entramos em contato com algumas centrais sindicais, a CGTB, a UGT, e começamos a debater uma forma de botar a campanha nas ruas. Nós estávamos discutindo ainda, mas, aí, provavelmente alguém vazou pra Folha de S.Paulo, então, a campanha acabou indo pra rua antes da hora. Mas a idéia ainda é fazer algumas reuniões com as centrais sindicais para definir a pauta e a forma de encaminhamento dessa agenda dos trabalhadores.
Depois disso, a campanha vai pra rua?E aí fazer mobilizações, atos de rua...
Houve algum contato com o governo?Não, na verdade, não. Nós fizemos a partir da própria campanha da OAB. Pra gente ela está, senão desfocada, está faltando coisa. Nós não enxergamos a pauta dos trabalhadores, a agenda dos trabalhadores. A discussão está quase apenas sobre a tragédia. É lógico que todo mundo é contra a corrupção, é lógico que todo mundo é contra a impunidade, agora, nós precisamos também falar sobre as coisas que acontecem no dia-a-dia dos trabalhadores e que afetam o conjunto da classe trabalhadora.
A impressão, então, é de que há o ''Cansei'' dos patrões e o ''Cansamos'' dos empregados...
Não sei... Por exemplo: nós tivemos a informação de que o ''Cansei'' é só da OAB de São Paulo, que a OAB do Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma postura diferente, está querendo fazer uma coisa mais ampla. A nossa intenção não foi fazer uma contraposição ou um embate. Mas não dá pra você ter, por exemplo, uma Philips, que está propondo fechar cinco seções de fábricas no Brasil, aparecer na mídia como se não tivesse nada a ver com o que acontece no Brasil.
Quantas demissões vão acontecer se fecharem as seções?São 1.300, mais ou menos. É contraditório, porque aí a empresa participa de um protesto parecendo que não tem nada a ver com a sociedade, as coisas do dia-a-dia.
Diferença entre discurso e prática?Diferença entre discurso e prática. Quer dizer, só vale fazer campanha em relação à crise aérea, não vale fazer campanha em relação ao fechamento de cinco fábricas?
Então a intenção do ''Cansamos'' é ampliar a pauta do ''Cansei''?Exatamente. Quer dizer, é colocar a nossa pauta. Não dá pra ficar numa pauta que aproveita, na minha opinião, esse debate do acidente não fazendo relação com o que acontece no dia-a-dia do trabalhador.
As primeiras reações foram de dizer que o movimento da CUT é pró-governo, que a CUT é petista. É?Não... Desde o início do primeiro mandato do governo Lula nós recebemos essas críticas de que a gente está sendo pró-governo. Nós não somos pró-governo. Inclusive, algumas das nossas reivindicações são claramente contra o governo federal. A questão de uma menor taxa de juros, menor superávit primários... Quem mais fez greve durante o governo Lula foi a CUT e seus sindicatos filiados. A CUT não está pró-governo, é só olhar a nossa pauta.
Fonte: Portal Terra
quarta-feira, 1 de agosto de 2007
Movimentos "Cansei" , "Cansamos" e Manifesto da OAB do RJ
Queridos colegas e futuros jornalistas! Corram, leiam, porcurem na internet tudo o que tiver relação com esses três gritos. Sugiro até que esse seja o assunto do nosso próximo encontro.
Até onde entendi, o " Cansei" é um movimento que se diz apolítico, representante da sociedade civil, contra o caos aéreo e a corrupção. O " Cansamos" é um movimento oposto criado pela CUT, denunciando que o primeiro é um movimento de elites.
Sobre o manifesto, ouvi ontem na CBN, tipo dez da noite, dirigindo para casa . Não tive tempo de apurar (de tão aflita que estava de contar pra vocês aqui no blog) o nome do diretor da OAB do Rio de Janeiro. O caso é que ele lançou um manifesto- independente da CUT- contra o movimento " Cansei" , alegando que o mesmo tem caráter golpista ( ecoando antigos ecos do período pré-ditadura, de passeatas do tipo "marcha com Deus pela liberdade" ). Além disso, ressaltou que o Cansei não representa realmente a sociedade civil, visto que OAB e FIESP não órgãos do terceiro setor, e são formados por uma pequena parcela da sociedade muito mais privilegiada.
Sei que sou suspeita para falar dessas coisas, mas algo soa estranho, não acham??? E alguém me explique por que o Cansei planeja fazer um protesto no dia 17, um mês depois do acidente com a TAM, ÀS 13 HORAS??? Por que às 13 horas, eu repito? E outra (essa vocês nem precisam responder) de que lado será que a grande imprensa está???
Até onde entendi, o " Cansei" é um movimento que se diz apolítico, representante da sociedade civil, contra o caos aéreo e a corrupção. O " Cansamos" é um movimento oposto criado pela CUT, denunciando que o primeiro é um movimento de elites.
Sobre o manifesto, ouvi ontem na CBN, tipo dez da noite, dirigindo para casa . Não tive tempo de apurar (de tão aflita que estava de contar pra vocês aqui no blog) o nome do diretor da OAB do Rio de Janeiro. O caso é que ele lançou um manifesto- independente da CUT- contra o movimento " Cansei" , alegando que o mesmo tem caráter golpista ( ecoando antigos ecos do período pré-ditadura, de passeatas do tipo "marcha com Deus pela liberdade" ). Além disso, ressaltou que o Cansei não representa realmente a sociedade civil, visto que OAB e FIESP não órgãos do terceiro setor, e são formados por uma pequena parcela da sociedade muito mais privilegiada.
Sei que sou suspeita para falar dessas coisas, mas algo soa estranho, não acham??? E alguém me explique por que o Cansei planeja fazer um protesto no dia 17, um mês depois do acidente com a TAM, ÀS 13 HORAS??? Por que às 13 horas, eu repito? E outra (essa vocês nem precisam responder) de que lado será que a grande imprensa está???
Para descontrair...
Em homenagem à Raquel, segue um trecho da reportagem feita pelo jornalista Marcelo Abreu do Correio, no dia 31 de julho, sobre o ganhador da Mega-Sena. Vocês leram??? Eu achei muito engraçada! É incrível como ele tem o poder de transformar um assunto não tão interessante em algo gostoso de ler! Quem não viu ainda, divirta-se.
Beijos!!!
Cadê o cabra sortudo?
Todos os jumentos
Como não se paga nada para mudar a vida em pensamento, o povo que passou pela QE 19 do Guará e as pessoas que trabalham perto da loteria aproveitaram para imaginar o que fariam se fossem o mais novo milionário da cidade. A vendedora Cosma de Assis, potiguar de 55 anos, não hesita na primeira aquisição. “Compraria óculos novos. Olha o meu, moço, todo remendado com arame. A lente cai toda hora”, ri, gostosamente. E começa a contar história: “Tô igual aquele homem do Goiás que, depois de ganhar sozinho na loteria esportiva, perguntou se o dinheiro dava pra comprar uma dentadura. Ah, meu pai!”.
A cearense Aliene Bizerra (com i mesmo), 56 anos, dona da Lojinha da Ene, não hesita: “Compraria essas duas casinhas daí da frente e faria um lugar para receber pessoas idosas”. Depois, olha o bloquinho de anotação do repórter e se espanta: “E tu entende depois isso tudo?”. Bem-humorada, a dona do armarinho se dana a falar: “Lá em casa, somos 20 irmãos. Não deu nenhum corno, nenhuma quenga, nenhum bandido. Meu pai criou a gente pra ser do bem, na chibata, na peia.”. E o resto do dinheiro? “Ah, meu filho, ia fazer tanta coisa. Ia ajudar muita gente. Mas nada ia me fazer deixar Brasília. Essa cidade jorrou leite e mel na minha vida”.
Wilson da Silva, 24 anos, três filhos, trabalha na Mercearia e Sacolão VVR. “Se eu fosse o ganhador? Já tinha rumo certo o dinheiro. Comprava tudo de jumento e voltava pro Ceará. Ia ficar rico.” Nesse momento, o paraibano Manoel Azevedo, de 82 anos, entra na Lotérica Supremo. Um gaiato grita que ele ganhou o prêmio da Mega-Sena. O aposentado devolve: “Eu juro é de pé juntinho. Se eu tivesse ganhado, tu acha que ainda tava aqui, moço?”.
Nem o carteiro Nerisvaldo Santos, de 49 anos, há 10 trabalhando na quadra e conhecidíssimo na região, escapou. “Eu, rico? Nem jogar eu jogo. Sou evangélico e, para mim, a riqueza no mundo é passageira. O que importa é a vida eterna com Deus, o que vem depois da morte”, diz ele, que mora em Santa Maria, pega dois ônibus para chegar ao Guará e anda 15km por dia entregando cartas. Depois da ligeira pregação e enquanto a morte não chega, o carteiro contemporiza: “Não sou favorável à pobreza, à miséria. Todo mundo precisa viver bem na terra.”.
E o povo não parava de passar na Lotérica Supremo. A pergunta era só uma: cadê o ganhador? “Cadê esse cabra sortudo?”, bradavam alguns. A cada minuto, as suspeitas recaíam sobre um morador. E o tititi só aumentava. A única certeza é a de que ele ainda não apareceu, para frisson e desespero dos comerciantes e moradores. E uma coisa não se pode negar: mesmo que ninguém venha a saber quem é o mais novo milionário da cidade, passar um dia na QE 19 do Guará II, diante de um fato inusitado desse, faz as coisas ficarem mais leves. Engraçadas mesmo. A capacidade das pessoas de rir delas mesmas talvez seja o grande segredo da vida. Que venham, então, mais prêmios da Mega-Sena. E mais histórias divertidas.
Beijos!!!
Cadê o cabra sortudo?
Todos os jumentos
Como não se paga nada para mudar a vida em pensamento, o povo que passou pela QE 19 do Guará e as pessoas que trabalham perto da loteria aproveitaram para imaginar o que fariam se fossem o mais novo milionário da cidade. A vendedora Cosma de Assis, potiguar de 55 anos, não hesita na primeira aquisição. “Compraria óculos novos. Olha o meu, moço, todo remendado com arame. A lente cai toda hora”, ri, gostosamente. E começa a contar história: “Tô igual aquele homem do Goiás que, depois de ganhar sozinho na loteria esportiva, perguntou se o dinheiro dava pra comprar uma dentadura. Ah, meu pai!”.
A cearense Aliene Bizerra (com i mesmo), 56 anos, dona da Lojinha da Ene, não hesita: “Compraria essas duas casinhas daí da frente e faria um lugar para receber pessoas idosas”. Depois, olha o bloquinho de anotação do repórter e se espanta: “E tu entende depois isso tudo?”. Bem-humorada, a dona do armarinho se dana a falar: “Lá em casa, somos 20 irmãos. Não deu nenhum corno, nenhuma quenga, nenhum bandido. Meu pai criou a gente pra ser do bem, na chibata, na peia.”. E o resto do dinheiro? “Ah, meu filho, ia fazer tanta coisa. Ia ajudar muita gente. Mas nada ia me fazer deixar Brasília. Essa cidade jorrou leite e mel na minha vida”.
Wilson da Silva, 24 anos, três filhos, trabalha na Mercearia e Sacolão VVR. “Se eu fosse o ganhador? Já tinha rumo certo o dinheiro. Comprava tudo de jumento e voltava pro Ceará. Ia ficar rico.” Nesse momento, o paraibano Manoel Azevedo, de 82 anos, entra na Lotérica Supremo. Um gaiato grita que ele ganhou o prêmio da Mega-Sena. O aposentado devolve: “Eu juro é de pé juntinho. Se eu tivesse ganhado, tu acha que ainda tava aqui, moço?”.
Nem o carteiro Nerisvaldo Santos, de 49 anos, há 10 trabalhando na quadra e conhecidíssimo na região, escapou. “Eu, rico? Nem jogar eu jogo. Sou evangélico e, para mim, a riqueza no mundo é passageira. O que importa é a vida eterna com Deus, o que vem depois da morte”, diz ele, que mora em Santa Maria, pega dois ônibus para chegar ao Guará e anda 15km por dia entregando cartas. Depois da ligeira pregação e enquanto a morte não chega, o carteiro contemporiza: “Não sou favorável à pobreza, à miséria. Todo mundo precisa viver bem na terra.”.
E o povo não parava de passar na Lotérica Supremo. A pergunta era só uma: cadê o ganhador? “Cadê esse cabra sortudo?”, bradavam alguns. A cada minuto, as suspeitas recaíam sobre um morador. E o tititi só aumentava. A única certeza é a de que ele ainda não apareceu, para frisson e desespero dos comerciantes e moradores. E uma coisa não se pode negar: mesmo que ninguém venha a saber quem é o mais novo milionário da cidade, passar um dia na QE 19 do Guará II, diante de um fato inusitado desse, faz as coisas ficarem mais leves. Engraçadas mesmo. A capacidade das pessoas de rir delas mesmas talvez seja o grande segredo da vida. Que venham, então, mais prêmios da Mega-Sena. E mais histórias divertidas.
domingo, 29 de julho de 2007
Infográfico: acidente com avião da TAM
Galera, no site de treinamento da Folha tem um infográfico sobre o acidente da TAM feito pelo El País. Vale a pena conferir... e ler o comentário do Fábio Marra, editor de arte da Folha.
novoemfolha.folha@uol.com.br
novoemfolha.folha@uol.com.br
terça-feira, 24 de julho de 2007
A vida que ninguém vê
Segue uma das melhores histórias do livro A vida que ninguém vê da Eliane Brum intitulada História de um olhar. Nesse livro, estão as crônicas publicadas na coluna "crônicas-reportagens" do jornal Zero Hora, em 1999. Eliane Brum foi convidada para desvendar as grandes histórias da vida comum. Como resultado, ganhou o Prêmio Esso Regional de 99.
Eu amei o livro!!! E espero que vocês gostem da reportagem também!
Omundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca. Resgata. Reconhece. Salva.
Inclui.
sta é a história de um olhar. Um olhar que enxerga. E por enxergar, reconhece. E por reconhecer, salva.
Esta é a história do olhar de uma professora chamada Eliane Vanti e de um andarilho chamado Israel Pires.
Um olhar que nasceu na Vila Kephas. Dizem que, em grego, kephas significa pedra. Por isso um nome tão singular para uma vila de Novo Hamburgo. Kephas foi inventada mais de uma década atrás pedra sobre pedra. Em regime de mutirão. Eram operários da indústria naqueles tempos nada longínquos. Hoje, desempregados da indústria. Biscateiros, papeleiros. Excluídos.
Nesta Kephas cheia de presságios e de misérias vagava um rapaz de 29 anos com o nome de Israel. Porque em todo lugar, por mais cinzento, trágico e desesperançado que seja, há sempre alguém ainda mais cinzento, trágico e desesperançado. Há sempre alguém para ser chutado por expressar a imagem-síntese, renegada e assustadora, do grupo. Israel, para a Vila Kephas, era esse ícone. O enjeitado da vila enjeitada. A imagem indesejada no espelho.
Imundo, meio abilolado, malcheiroso, Israel vivia atirado num canto ou noutro da vila. Filho de pai pedreiro e de mãe morta, vivendo em uma casa cheia de fome com a madrasta e uma irmã doente. Desregulado das idéias, segundo o senso comum. Nascido prematuro, mas sem dinheiro para diagnóstico. Escorraçado como um cão, torturado pelos garotos maus. Amarrado, quase violado. Israel era cuspido. Era apedrejado. Israel era a escória da escória.
Um dia Israel se aproximou de um menino. De nove anos, chamado Lucas. Olhos de amêndoa, rosto de esconderijo.Bom de bola. Bom de rua. De tanto gostar do menino que lhe sorriu, Israel o seguiu até a escola. Até a porta onde Lucas desaparecia todas as tardes, tragado sabe-se lá por qual magia. Até a porta onde as crianças recebiam cucas e leite. Israel chegou até lá por fome. De comida, de afago, de lápis de cor. Fome de olhar.
Aconteceu neste inverno. Eliane, a professora, descobriu Israel. Desajeitado, envergonhado, quase desaparecido dentro dele mesmo. Um vulto, um espectro na porta da escola. Com um sorriso inocente e uns olhos de vira-lata pidão, dando a cara para bater porque nunca foi capaz de escondê-la.
Eliane viu Israel. E Israel se viu refletido no olhar de Eliane. E o que se passou naquele olhar é um milagre de gente. Israel descobriu um outro Israel navegando nas pupilas da professora. Terno, especial, até meio garboso. Israel descobriu nos olhos da professora que era um homem, não um escombro.
Capturado por essa irresistível imagem de si mesmo, Israel perseguiu o olho de espelho da professora. A cada dia dava um passo para dentro do olhar. E quando perceberam, Israel estava no interior da escola. E, quando viram, Israel estava na janela da sala de aula da 2ª série C. Com meio corpo para dentro do olhar da professora.
Uma cena e tanto. Israel na janela, espiando para dentro. Cantando do lado de fora, desenhando com os olhos. Quando o chamavam, fugia correndo. Escondia-se atrás dos prédios. Mas devagar, como bicho acuado, que de tanto apanhar ficou ressabiado, foi pegando primeiro um lápis, depois um afago. E, num dia de agosto, Israel completou a subversão. Cruzou a porta e pintou bonecos de papel. Israel estava todo dentro do olhar da professora.
E o olhar começou a se espalhar, se expandir, e engolfou toda a sala de aula. A imagem se multiplicou por 31 pares de olhos de crianças. Israel, o pária, tinha se transformado em Israel, o amigo. Ganhou roupas, ganhou pasta, ganhou lápis de cor. E, no dia seguinte, Israel chegou de banho tomado, barba feita, roupa limpa. Igualzinho ao Israel que havia avistado no olho da professora. Trazia até umas pupilas novas, enormes, em forma de facho. E um sorriso também recém-inventado. Entrou na sala onde a professora pintava no chão e ela começou a chorar. E as lágrimas da professora, tal qual um vagalhão, terminaram de lavar a imagem acossada, ferida, flagelada de Israel.
Israel, capturado pelo olhar da professora, nunca mais o abandonou. Vive hoje nesse olhar em formato de sala de aula, cercado por 31 pares de olhos de infância que lhe contam histórias, puxam a mão e lhe ensinam palavras novas. Refletido por esses olhos, Israel passou a refletir todos eles. E a professora, que andava deprimida e de mal com a vida, descobriu-se bela, importante, nos olhos de Israel. E as crianças, que têm na escola um intervalo entre a violência e a fome, descobriram-se livres de todos os destinos traçados nos olhos de Israel.
Israel, não importa se alguém não gosta de você. O que importa é que você siga a vida, aconselha Jéferson, de oito anos. Israel, não faz mal que tu sejas grande e um pouco doente, tu podes fazer tudo o que tu imaginares, promete Greice, de nove. Israel, se alguém te atirar uma pedra eu vou chamar o Vandinho, porque todo mundo tem medo do Vandinho, tranqüiliza Lucas, nove. Israel, tu me botas na garupa no recreio?
E foi assim que o olhar escorreu pela escola e amoleceu as ruas de pedra.
Israel, depois que se descobriu no olhar da professora, ganhou o respeito da vila, a admiração do pai. Vai ganhar uma vaga oficial na escola. Já consegue escrever o “P” de professora. E ninguém mais lhe atira pedras. A professora, depois que se descobriu no olhar de Israel, ri sozinha e chora à toa. Parou de reclamar da vida e as aulas viraram uma cantoria. A redenção de Israel foi a revolução da professora .
Em 7 de Setembro, Israel desfilou. Pintado de verde-amarelo, aplaudido de pé pela Vila Pedra.
Eu amei o livro!!! E espero que vocês gostem da reportagem também!
Omundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca. Resgata. Reconhece. Salva.
Inclui.
sta é a história de um olhar. Um olhar que enxerga. E por enxergar, reconhece. E por reconhecer, salva.
Esta é a história do olhar de uma professora chamada Eliane Vanti e de um andarilho chamado Israel Pires.
Um olhar que nasceu na Vila Kephas. Dizem que, em grego, kephas significa pedra. Por isso um nome tão singular para uma vila de Novo Hamburgo. Kephas foi inventada mais de uma década atrás pedra sobre pedra. Em regime de mutirão. Eram operários da indústria naqueles tempos nada longínquos. Hoje, desempregados da indústria. Biscateiros, papeleiros. Excluídos.
Nesta Kephas cheia de presságios e de misérias vagava um rapaz de 29 anos com o nome de Israel. Porque em todo lugar, por mais cinzento, trágico e desesperançado que seja, há sempre alguém ainda mais cinzento, trágico e desesperançado. Há sempre alguém para ser chutado por expressar a imagem-síntese, renegada e assustadora, do grupo. Israel, para a Vila Kephas, era esse ícone. O enjeitado da vila enjeitada. A imagem indesejada no espelho.
Imundo, meio abilolado, malcheiroso, Israel vivia atirado num canto ou noutro da vila. Filho de pai pedreiro e de mãe morta, vivendo em uma casa cheia de fome com a madrasta e uma irmã doente. Desregulado das idéias, segundo o senso comum. Nascido prematuro, mas sem dinheiro para diagnóstico. Escorraçado como um cão, torturado pelos garotos maus. Amarrado, quase violado. Israel era cuspido. Era apedrejado. Israel era a escória da escória.
Um dia Israel se aproximou de um menino. De nove anos, chamado Lucas. Olhos de amêndoa, rosto de esconderijo.Bom de bola. Bom de rua. De tanto gostar do menino que lhe sorriu, Israel o seguiu até a escola. Até a porta onde Lucas desaparecia todas as tardes, tragado sabe-se lá por qual magia. Até a porta onde as crianças recebiam cucas e leite. Israel chegou até lá por fome. De comida, de afago, de lápis de cor. Fome de olhar.
Aconteceu neste inverno. Eliane, a professora, descobriu Israel. Desajeitado, envergonhado, quase desaparecido dentro dele mesmo. Um vulto, um espectro na porta da escola. Com um sorriso inocente e uns olhos de vira-lata pidão, dando a cara para bater porque nunca foi capaz de escondê-la.
Eliane viu Israel. E Israel se viu refletido no olhar de Eliane. E o que se passou naquele olhar é um milagre de gente. Israel descobriu um outro Israel navegando nas pupilas da professora. Terno, especial, até meio garboso. Israel descobriu nos olhos da professora que era um homem, não um escombro.
Capturado por essa irresistível imagem de si mesmo, Israel perseguiu o olho de espelho da professora. A cada dia dava um passo para dentro do olhar. E quando perceberam, Israel estava no interior da escola. E, quando viram, Israel estava na janela da sala de aula da 2ª série C. Com meio corpo para dentro do olhar da professora.
Uma cena e tanto. Israel na janela, espiando para dentro. Cantando do lado de fora, desenhando com os olhos. Quando o chamavam, fugia correndo. Escondia-se atrás dos prédios. Mas devagar, como bicho acuado, que de tanto apanhar ficou ressabiado, foi pegando primeiro um lápis, depois um afago. E, num dia de agosto, Israel completou a subversão. Cruzou a porta e pintou bonecos de papel. Israel estava todo dentro do olhar da professora.
E o olhar começou a se espalhar, se expandir, e engolfou toda a sala de aula. A imagem se multiplicou por 31 pares de olhos de crianças. Israel, o pária, tinha se transformado em Israel, o amigo. Ganhou roupas, ganhou pasta, ganhou lápis de cor. E, no dia seguinte, Israel chegou de banho tomado, barba feita, roupa limpa. Igualzinho ao Israel que havia avistado no olho da professora. Trazia até umas pupilas novas, enormes, em forma de facho. E um sorriso também recém-inventado. Entrou na sala onde a professora pintava no chão e ela começou a chorar. E as lágrimas da professora, tal qual um vagalhão, terminaram de lavar a imagem acossada, ferida, flagelada de Israel.
Israel, capturado pelo olhar da professora, nunca mais o abandonou. Vive hoje nesse olhar em formato de sala de aula, cercado por 31 pares de olhos de infância que lhe contam histórias, puxam a mão e lhe ensinam palavras novas. Refletido por esses olhos, Israel passou a refletir todos eles. E a professora, que andava deprimida e de mal com a vida, descobriu-se bela, importante, nos olhos de Israel. E as crianças, que têm na escola um intervalo entre a violência e a fome, descobriram-se livres de todos os destinos traçados nos olhos de Israel.
Israel, não importa se alguém não gosta de você. O que importa é que você siga a vida, aconselha Jéferson, de oito anos. Israel, não faz mal que tu sejas grande e um pouco doente, tu podes fazer tudo o que tu imaginares, promete Greice, de nove. Israel, se alguém te atirar uma pedra eu vou chamar o Vandinho, porque todo mundo tem medo do Vandinho, tranqüiliza Lucas, nove. Israel, tu me botas na garupa no recreio?
E foi assim que o olhar escorreu pela escola e amoleceu as ruas de pedra.
Israel, depois que se descobriu no olhar da professora, ganhou o respeito da vila, a admiração do pai. Vai ganhar uma vaga oficial na escola. Já consegue escrever o “P” de professora. E ninguém mais lhe atira pedras. A professora, depois que se descobriu no olhar de Israel, ri sozinha e chora à toa. Parou de reclamar da vida e as aulas viraram uma cantoria. A redenção de Israel foi a revolução da professora .
Em 7 de Setembro, Israel desfilou. Pintado de verde-amarelo, aplaudido de pé pela Vila Pedra.
domingo, 22 de julho de 2007
Ruy Castro
Obs.: O Ruy Castro não precisa de apresentações. Este artigo vai especialmente para a nossa confrade Lu Maragão, a carioquinha da turma
Folha de S.Paulo - 21 de Julho
Terra, mar e ar
RIO DE JANEIRO - Se o leitor está a ponto de vir ao Rio para o Pan, como atleta, cartola ou torcedor, e tem alimentado uma típica paranóia sobre sua segurança, saiba pelo menos de uma coisa: não há a menor possibilidade de o amigo sofrer um atentado por terra, mar ou ar.
Desde o início dos jogos, e por toda a duração do Pan, a Aeronáutica baniu as asas-delta e os parapentes que decolavam das rampas da Pedra Bonita, em São Conrado, e coalhavam lindamente o céu sobre as praias das zonas sul e oeste cariocas. Ficou também proibido saltar de pára-quedas, pilotar ultraleves e alugar helicópteros civis para passeios, mesmo que apenas para adejar ao redor do Cristo. (O bondinho do Pão de Açúcar, por enquanto, continua liberado.)
Por que tudo isso? Pela segurança. Mas segurança de quem? Algum atleta brasileiro, hondurenho ou de Trinidad e Tobago corre o risco de um atentado vindo do céu?A vigilância não se restringe à interdição do espaço aéreo sobre as arenas. Na Lagoa, palco das competições de remo e canoagem, os pedalinhos em forma de cisne foram estacionados na altura do Cantagalo e de lá não saem, para evitar que um solerte terrorista se aproveite da candura do veículo e, pedalando mansamente, vá alvejar algum remador de Antígua e Barbuda.
No Parque Aquático Maria Lenk, um repórter teve seu sanduíche de salada de atum confiscado pela segurança. Na marina da Glória, o alvo foi um frasquinho de Lavolho. E, no Complexo do Autódromo, um pai teve de lamber o Danoninho de sua filha para provar que aquilo não era uma bomba química. Tal e qual nos aeroportos.
Tudo isso, claro, são imposições dos EUA. Graças às lambanças do governo americano, seus pobres atletas não têm sossego em lugar nenhum e, com isso, o mundo inteiro é suspeito de odiá-los.
Folha de S.Paulo - 21 de Julho
Terra, mar e ar
RIO DE JANEIRO - Se o leitor está a ponto de vir ao Rio para o Pan, como atleta, cartola ou torcedor, e tem alimentado uma típica paranóia sobre sua segurança, saiba pelo menos de uma coisa: não há a menor possibilidade de o amigo sofrer um atentado por terra, mar ou ar.
Desde o início dos jogos, e por toda a duração do Pan, a Aeronáutica baniu as asas-delta e os parapentes que decolavam das rampas da Pedra Bonita, em São Conrado, e coalhavam lindamente o céu sobre as praias das zonas sul e oeste cariocas. Ficou também proibido saltar de pára-quedas, pilotar ultraleves e alugar helicópteros civis para passeios, mesmo que apenas para adejar ao redor do Cristo. (O bondinho do Pão de Açúcar, por enquanto, continua liberado.)
Por que tudo isso? Pela segurança. Mas segurança de quem? Algum atleta brasileiro, hondurenho ou de Trinidad e Tobago corre o risco de um atentado vindo do céu?A vigilância não se restringe à interdição do espaço aéreo sobre as arenas. Na Lagoa, palco das competições de remo e canoagem, os pedalinhos em forma de cisne foram estacionados na altura do Cantagalo e de lá não saem, para evitar que um solerte terrorista se aproveite da candura do veículo e, pedalando mansamente, vá alvejar algum remador de Antígua e Barbuda.
No Parque Aquático Maria Lenk, um repórter teve seu sanduíche de salada de atum confiscado pela segurança. Na marina da Glória, o alvo foi um frasquinho de Lavolho. E, no Complexo do Autódromo, um pai teve de lamber o Danoninho de sua filha para provar que aquilo não era uma bomba química. Tal e qual nos aeroportos.
Tudo isso, claro, são imposições dos EUA. Graças às lambanças do governo americano, seus pobres atletas não têm sossego em lugar nenhum e, com isso, o mundo inteiro é suspeito de odiá-los.
Walter Ceneviva
Obs.: O Walter Ceneviva é, como nossa amiga Marilene Polastro, advogado, mas também conseguiu a façanha de também ser jornalista.
Folha de S.Paulo - 21 de julho
Até quando?
O costume das companhias e das autoridades de manter descompasso com a verdade nos levou à descrença final
ENQUANTO PASSAGEIRO RELATIVAMENTE freqüente de nossas companhias aéreas, sinto-me credenciado como uma espécie de procurador informal de todos os meus companheiros de sofrimento para perguntar: até quando as autoridades e as empresas continuarão abusando de nossa paciência, fazendo-nos vítimas inocentes com sua omissão e sua incompetência? Confesso que não tenho originalidade, pois Marco Túlio Cícero, orador romano, nascido cerca de um século antes de Cristo, já perguntava até quando Catilina abusaria da paciência de Roma. Cícero terminou por sufocar, com sua palavra fluente, as ações de Catilina.
A esperança dos clientes da aviação brasileira é a de que empresas e autoridades parem de contar lorotas e definitivamente ponham um fim nos erros e deficiências do transporte aéreo, que geram tantas vítimas.
Para medir as responsabilidades governamentais é preciso ir à Constituição. Em matéria de viagens aéreas, os maiores encargos recaem sobre os órgãos federais, tanto no alusivo à Carta Magna, quanto ao Código Brasileiro de Aeronáutica. O papel principal é desempenhado por uma empresa federal (a Infraero), cabendo-lhe, num resumo muito restrito, as questões de terra, com aeroportos e sua operação. Com o Ministério da Aeronáutica ficam as questões de controle de vôo, entre outras missões. Na cúpula da administração se acha o presidente da República, ao qual o artigo 85 atribui responsabilidade pelo cumprimento das leis. O artigo 84 enuncia a competência privativa do chefe do Executivo para "exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal". O presidente é o responsável mediato, pois os envolvidos diretamente são seus subordinados, a contar do ministro da Defesa e do comandante da Aeronáutica.
Na administração pública, nada do que acontece hoje -ou quase nada- surge por obra dos atuais ocupantes de altos cargos. Nossos políticos assumem a atitude pouco séria de se afirmar responsáveis por eventuais sucessos, mas de responsabilizar seus antecessores por falhas constatadas. Isso explica as reformas em aeroportos embelezados, pois nos impressionam -a nós, os basbaques que passamos por eles-, mas sem a mesma aplicação na segurança essencial, mais importante que tudo. Só percebemos a omissão em uma crise grave, como nesta semana.
A omissão, pondo nossa paciência à prova, levou ao que se tem chamado de "apagão", palavra simplória que não retrata as horas passadas à espera dos vôos, sem satisfação dada, rápida e verdadeira, aos consumidores do serviço aéreo. O costume das companhias e das autoridades de manter permanente descompasso com a verdade nos levou à descrença final. Nada de que digam é acolhido serenamente. Abusaram muito da nossa paciência. É chegada a hora de pararem com isso. De se desnudarem quanto aos fatos, em modo claro, direto e, se possível, honesto. "Quousque tandem abutere patientia nostra?", perguntaria Cícero.
O governo tem punido sargentos. Funcionários das empresas têm sido agredidos por passageiros revoltados. São os fracos respondendo pelos erros dos fortes. Não é o que a cidadania responsável quer, mas vai ter de ir à luta, para mudar. Quantas mortes mais serão necessárias?
Folha de S.Paulo - 21 de julho
Até quando?
O costume das companhias e das autoridades de manter descompasso com a verdade nos levou à descrença final
ENQUANTO PASSAGEIRO RELATIVAMENTE freqüente de nossas companhias aéreas, sinto-me credenciado como uma espécie de procurador informal de todos os meus companheiros de sofrimento para perguntar: até quando as autoridades e as empresas continuarão abusando de nossa paciência, fazendo-nos vítimas inocentes com sua omissão e sua incompetência? Confesso que não tenho originalidade, pois Marco Túlio Cícero, orador romano, nascido cerca de um século antes de Cristo, já perguntava até quando Catilina abusaria da paciência de Roma. Cícero terminou por sufocar, com sua palavra fluente, as ações de Catilina.
A esperança dos clientes da aviação brasileira é a de que empresas e autoridades parem de contar lorotas e definitivamente ponham um fim nos erros e deficiências do transporte aéreo, que geram tantas vítimas.
Para medir as responsabilidades governamentais é preciso ir à Constituição. Em matéria de viagens aéreas, os maiores encargos recaem sobre os órgãos federais, tanto no alusivo à Carta Magna, quanto ao Código Brasileiro de Aeronáutica. O papel principal é desempenhado por uma empresa federal (a Infraero), cabendo-lhe, num resumo muito restrito, as questões de terra, com aeroportos e sua operação. Com o Ministério da Aeronáutica ficam as questões de controle de vôo, entre outras missões. Na cúpula da administração se acha o presidente da República, ao qual o artigo 85 atribui responsabilidade pelo cumprimento das leis. O artigo 84 enuncia a competência privativa do chefe do Executivo para "exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal". O presidente é o responsável mediato, pois os envolvidos diretamente são seus subordinados, a contar do ministro da Defesa e do comandante da Aeronáutica.
Na administração pública, nada do que acontece hoje -ou quase nada- surge por obra dos atuais ocupantes de altos cargos. Nossos políticos assumem a atitude pouco séria de se afirmar responsáveis por eventuais sucessos, mas de responsabilizar seus antecessores por falhas constatadas. Isso explica as reformas em aeroportos embelezados, pois nos impressionam -a nós, os basbaques que passamos por eles-, mas sem a mesma aplicação na segurança essencial, mais importante que tudo. Só percebemos a omissão em uma crise grave, como nesta semana.
A omissão, pondo nossa paciência à prova, levou ao que se tem chamado de "apagão", palavra simplória que não retrata as horas passadas à espera dos vôos, sem satisfação dada, rápida e verdadeira, aos consumidores do serviço aéreo. O costume das companhias e das autoridades de manter permanente descompasso com a verdade nos levou à descrença final. Nada de que digam é acolhido serenamente. Abusaram muito da nossa paciência. É chegada a hora de pararem com isso. De se desnudarem quanto aos fatos, em modo claro, direto e, se possível, honesto. "Quousque tandem abutere patientia nostra?", perguntaria Cícero.
O governo tem punido sargentos. Funcionários das empresas têm sido agredidos por passageiros revoltados. São os fracos respondendo pelos erros dos fortes. Não é o que a cidadania responsável quer, mas vai ter de ir à luta, para mudar. Quantas mortes mais serão necessárias?
Artigos e artigos
Queridos Confrades,
A partir de hoje tentarei colocar alguns textos de jornalistas que admiro. Sei que vai parecer que quero apenas encher o blog com artigos, mas acho que este espaço é para isto mesmo. Sei também que muitas pessoas não tem paciência de ler tudo o que é colocado aqui, mas também acho que "o que abunda não prejudica".
Abraços em todos
A partir de hoje tentarei colocar alguns textos de jornalistas que admiro. Sei que vai parecer que quero apenas encher o blog com artigos, mas acho que este espaço é para isto mesmo. Sei também que muitas pessoas não tem paciência de ler tudo o que é colocado aqui, mas também acho que "o que abunda não prejudica".
Abraços em todos
domingo, 15 de julho de 2007
Interessante
Um passeio pelo Glicério, no coração de São Paulo
Uma reportagem com números e relatórios não precisa ser chata e massuda.
Leia com atenção o texto de Paulo Totti "Glicério, o submerso retalho da Liberdade" publicado quinta-feira, 12/7, na página A16 do “Valor Econômico” (a versão online do texto é aberta só para assinantes, mas o Totti e o Valor deixaram a gente colocar a íntegra aqui).
É um exemplo de reportagem bem apurada e bem escrita.
A pauta, as deficiências do atendimento público pré-escolar, não é nova. Mas o tratamento que Totti dá para o assunto merece uma leitura reflexiva sobre a sintonia que deve haver entre apuração e texto. É o tipo de pauta que normalmente conduz a reportagens cheias de estatísticas, citações de relatórios oficiais e aspas. Um saco.
A reportagem de Totti, além de bem pesquisada e documentada, está enriquecida com o testemunho do repórter. Ele estudou o assunto (não é necessariamente um especialista) e foi a campo, gastou sola de sapato e não se limitou a entrevistas óbvias e dados frios. Suas observações pessoais humanizam o assunto. O texto nos carrega pelo Glicério e pela Liberdade, na capital paulista, e nos faz parar para pensar na importância da pré-escola.
Exercício: tente distinguir neste texto os recursos de apuração (pesquisa, entrevista, observação, documentação) utilizados pelo repórter. E observe bem como ele trabalhou as informações que tinha com a condução do texto.
site: http://novoemfolha.folha.blog.uol.com.br/
Uma reportagem com números e relatórios não precisa ser chata e massuda.
Leia com atenção o texto de Paulo Totti "Glicério, o submerso retalho da Liberdade" publicado quinta-feira, 12/7, na página A16 do “Valor Econômico” (a versão online do texto é aberta só para assinantes, mas o Totti e o Valor deixaram a gente colocar a íntegra aqui).
É um exemplo de reportagem bem apurada e bem escrita.
A pauta, as deficiências do atendimento público pré-escolar, não é nova. Mas o tratamento que Totti dá para o assunto merece uma leitura reflexiva sobre a sintonia que deve haver entre apuração e texto. É o tipo de pauta que normalmente conduz a reportagens cheias de estatísticas, citações de relatórios oficiais e aspas. Um saco.
A reportagem de Totti, além de bem pesquisada e documentada, está enriquecida com o testemunho do repórter. Ele estudou o assunto (não é necessariamente um especialista) e foi a campo, gastou sola de sapato e não se limitou a entrevistas óbvias e dados frios. Suas observações pessoais humanizam o assunto. O texto nos carrega pelo Glicério e pela Liberdade, na capital paulista, e nos faz parar para pensar na importância da pré-escola.
Exercício: tente distinguir neste texto os recursos de apuração (pesquisa, entrevista, observação, documentação) utilizados pelo repórter. E observe bem como ele trabalhou as informações que tinha com a condução do texto.
site: http://novoemfolha.folha.blog.uol.com.br/
sexta-feira, 13 de julho de 2007
Dicas dos Trainees da Folha de S. Paulo
Ai, que medo!
A partir de hoje, os ex-trainees começam sua vida no jornal. Divido com os leitores deste blog algumas recomendações que fiz a eles.
Coisas que vocês podem fazer nas primeiras semanas:
Não entendeu o que o editor pediu? Pergunte. Não saia de lá sem entender.
Entendeu na hora, mas depois ficou em dúvida? Consulte um colega, o assistente, o adjunto e, se ainda estiver inseguro, volte a falar com o editor.
O pauteiro passou uma pauta e você não sabe por onde começar? Pergunte para o pauteiro. Além disso, peça ajuda aos repórteres que costumam cobrir essa área. Outra coisa que ajuda muito: olhe no arquivo matérias semelhantes e veja que informações elas trazem e de que fonte elas partem.
Grave, grave, grave. Grave tudo. Não dá pra prever declarações polêmicas. Grave.
Não gravou e o cara disse algo complicado? Ligue de novo, desta vez gravando, e repita a pergunta.
Grave, mas não se fie só na fita. 1) ela pode ficar ruim; 2) dá muito trabalho e leva muito tempo transcrever. Anote.
A apuração está muito atrasada? Avise logo o editor. Não deixe para a última hora.
Não sabe qual é o lide da sua história? Peça ajuda pra um colega mais experiente.
Nenhum colega à volta? Imagine que vai contar a história pra um amigo: como você começaria?
Ainda inseguro sobre o lide? De novo, olhar reportagens já publicadas sobre o tema podem ajudar a pensar no que é mais notícia.
Dúvidas na hora de escrever? Consulte o professor de português, o melhor redator da equipe, sua tia professora de redação.
Dúvidas na hora de fechar? Na emergência, peça ajuda a um redator experiente. Depois, pela mais aulas.
Acordou no dia seguinte? Leia seu jornal e os concorrentes. Veja como eles deram o mesmo assunto.
Para melhorar sempre: leia jornal todo dia; cultive suas fontes; mande seus textos para alguém de confiança criticar; mantenha contato com colegas experientes; nunca perca uma oportunidade de aprender.
PS - ter medo é normal. É até saudável. É um aviso de que há cuidados que devemos tomar. A diferença é esta: ter medo, só, não adianta. É preciso tomar os tais cuidados.
A partir de hoje, os ex-trainees começam sua vida no jornal. Divido com os leitores deste blog algumas recomendações que fiz a eles.
Coisas que vocês podem fazer nas primeiras semanas:
Não entendeu o que o editor pediu? Pergunte. Não saia de lá sem entender.
Entendeu na hora, mas depois ficou em dúvida? Consulte um colega, o assistente, o adjunto e, se ainda estiver inseguro, volte a falar com o editor.
O pauteiro passou uma pauta e você não sabe por onde começar? Pergunte para o pauteiro. Além disso, peça ajuda aos repórteres que costumam cobrir essa área. Outra coisa que ajuda muito: olhe no arquivo matérias semelhantes e veja que informações elas trazem e de que fonte elas partem.
Grave, grave, grave. Grave tudo. Não dá pra prever declarações polêmicas. Grave.
Não gravou e o cara disse algo complicado? Ligue de novo, desta vez gravando, e repita a pergunta.
Grave, mas não se fie só na fita. 1) ela pode ficar ruim; 2) dá muito trabalho e leva muito tempo transcrever. Anote.
A apuração está muito atrasada? Avise logo o editor. Não deixe para a última hora.
Não sabe qual é o lide da sua história? Peça ajuda pra um colega mais experiente.
Nenhum colega à volta? Imagine que vai contar a história pra um amigo: como você começaria?
Ainda inseguro sobre o lide? De novo, olhar reportagens já publicadas sobre o tema podem ajudar a pensar no que é mais notícia.
Dúvidas na hora de escrever? Consulte o professor de português, o melhor redator da equipe, sua tia professora de redação.
Dúvidas na hora de fechar? Na emergência, peça ajuda a um redator experiente. Depois, pela mais aulas.
Acordou no dia seguinte? Leia seu jornal e os concorrentes. Veja como eles deram o mesmo assunto.
Para melhorar sempre: leia jornal todo dia; cultive suas fontes; mande seus textos para alguém de confiança criticar; mantenha contato com colegas experientes; nunca perca uma oportunidade de aprender.
PS - ter medo é normal. É até saudável. É um aviso de que há cuidados que devemos tomar. A diferença é esta: ter medo, só, não adianta. É preciso tomar os tais cuidados.
Para o conhecimento geral....
CONCURSO DE MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES DE MESTRADO
E TESES DE DOUTORAMENTO - 1ª EDIÇÃO
Inscrições de 13/07 a 05/09/2007
TRABALHOS
Serão consideradas, para efeitos desta edição do Concurso, todas as monografias, dissertações e teses defendidas e aprovadas em caráter final entre 13 de julho de 1990 (data da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente) e 13 de julho de 2007;
Poderão ser inscritos trabalhos defendidos em quaisquer áreas do conhecimento – entretanto, serão priorizados aqueles aprovados formalmente em departamentos vinculados a cursos de jornalismo e/ou comunicação, seja na graduação ou pós-graduação;
PREMIAÇÃO
Para as 3 (três) categorias de trabalhos acadêmicos serão concedidos os seguintes prêmios em dinheiro aos vencedores:
a) Na categoria tese de doutoramento:
1º Lugar - R$ 8.000,00;
2º Lugar - R$ 4.000,00;
3º Lugar - R$ 2.000,00;
b) Na categoria dissertação de mestrado:
1º Lugar - R$ 4.000,00;
2º Lugar - R$ 2.000,00;
3º Lugar - R$ 1.000,00;
c) Na categoria monografia de graduação:
1º Lugar - R$ 1.600,00;
2º Lugar - R$ 800,00;
3º Lugar - R$ 400,00;
QUEM PODE PARTICIPAR
Podem concorrer às premiações estudantes ou profissionais, de qualquer nacionalidade, que tenham defendido um trabalho acadêmico em curso - de graduação, mestrado ou doutorado - devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) em qualquer Instituição de Ensino Superior Brasileira; ou, excepcionalmente, teses de doutorado e dissertações de mestrado defendidas por brasileiros em universidades estrangeiras.
INSCRIÇÕES
As inscrições para o Concurso de Monografias, Dissertações e Teses ocorrerão de 13/07 a 05/09 de 2007. É necessário realizar uma pré-inscrição on-line, no sítio do Programa InFormação (http://www.informacao.andi.org.br/). Posteriormente deve-se enviar à Coordenação de Relações Acadêmicas da ANDI, até o dia 06 de setembro de 2007 (valendo a data de postagem), os trabalhos em sua versão integral, conforme as regras definidas no Edital do concurso.
RESULTADOS
Os contemplados serão conhecidos até o dia 15 de outubro de 2007, podendo ser antecipado o resultado;
CONHEÇA O EDITAL
Acesse o Edital de Premiação completo na página eletrônica do Programa InFormação (acesse o Edital aqui), na seção “Concurso de Monografias, Dissertações e Teses”.
Participe!
quinta-feira, 12 de julho de 2007
Vale a pena Saber....
10/07/2007
Bolsas internacionais para jornalistas brasileiros
O Fundo Americano para Estudos está recrutando jornalistas para o Euro-Med Journalism Institute, que este ano ocorre em Atenas, de 29 de setembro a 7 de outubro. Os selecionados receberão uma bolsa para participar do evento. Inscrições vão até o dia 15 de julho e devem ser feitas pelo site www.tfasinternational.org.
O governo britânico abriu inscrições para o Programa Chevening de Bolsas de Estudo. Ele é voltado para o profissional em início de carreira que queira se aperfeiçoar no Reino Unido. São concedidas 50 bolsas para o programa em tempo integral, com até 12 meses, incluindo jornalismo. O prazo final para cadastro é 31 de julho, pelo www.britishcouncil. org/br/brasil- education- chevening. htm.
fonte: http://novoemfolha.folha.blog.uol.com.br/
Bolsas internacionais para jornalistas brasileiros
O Fundo Americano para Estudos está recrutando jornalistas para o Euro-Med Journalism Institute, que este ano ocorre em Atenas, de 29 de setembro a 7 de outubro. Os selecionados receberão uma bolsa para participar do evento. Inscrições vão até o dia 15 de julho e devem ser feitas pelo site www.tfasinternational.org.
O governo britânico abriu inscrições para o Programa Chevening de Bolsas de Estudo. Ele é voltado para o profissional em início de carreira que queira se aperfeiçoar no Reino Unido. São concedidas 50 bolsas para o programa em tempo integral, com até 12 meses, incluindo jornalismo. O prazo final para cadastro é 31 de julho, pelo www.britishcouncil. org/br/brasil- education- chevening. htm.
fonte: http://novoemfolha.folha.blog.uol.com.br/
Ter ou não ter...eis a questão
Galera,
Quero saber se vai ter encontro nessa sexta, onde vai ser e a que horas? Semana passada eu não fui porque meu irmão sofreu um acidente de moto na madrugada de quinta para sexta e eu fiquei super enrolada além de ter ficado muito chateada. Mas ainda assim, havia cumprido com o meu combinado de marcar nossa visita no Jardim Botânico....
Fico aguardando um alô e a participação de vocês....grupo seleto!
Beijos,
Quero saber se vai ter encontro nessa sexta, onde vai ser e a que horas? Semana passada eu não fui porque meu irmão sofreu um acidente de moto na madrugada de quinta para sexta e eu fiquei super enrolada além de ter ficado muito chateada. Mas ainda assim, havia cumprido com o meu combinado de marcar nossa visita no Jardim Botânico....
Fico aguardando um alô e a participação de vocês....grupo seleto!
Beijos,
segunda-feira, 9 de julho de 2007
FLIP 2007
GENTE: Essa entrevista me fez lembrar as insistentes teclas que o Walter sempre bate. Leiam e vejam como pensa o jornalista mais conceituado da atualidade. Incrível!É uma entrevista do jornalista da folha de S. Paulo, Marcelo Tas, com o jornalista e escritor Robert Fisk, na FLIP deste ano. Fisk é correspondente internacional do jornal inglês, The Independent.PS. NEGRITEI AS PARTES QUE CONSIDEREI MAIS RELEVANTE."meu encontro com Robert Fisk, o "animal furioso"O celular toca enquanto entro na Pousada do Ouro, britanicamente no horário combinado, para o encontro com o jornalista e escritor inglês Robert Fisk. É a funcionária da editora que o publica no Brasil impaciente com a minha ausência. Rimos aliviados um diante do outro com os telefones em punho.Ele já vai descer, ela diz, foi trocar de camisa. Confesso um certo receio da missão de entrevistar o “correspondente internacional britânico mais famoso do mundo”, conforme sentenciou o The New York Times, jornal com o qual Fisk já travou brigas homéricas.O próprio Times já o descreveu como um “animal furioso”. Fisk não tem filhos e vive em Beirute, onde é correspondente do jornal inglês The Independent. Há 30 anos, acompanha conflitos pelo mundo. Já cobriu a revolução islâmica no Irã, o conflito Irã-Iraque, a guerra do Golfo, do Kosovo, a invasão do Iraque e o recente conflito entre Israel e Líbano.Estava ainda inquieto buscando com os olhos um lugar tranquilo para gravar a entrevista quando surge às minhas costas o velhinho espevitado, olhos faiscantes azuis e com um gesto rápido tira o chapéu de palha que estou usando na Flip para proteger minha careca.- Nice hat!- Thank you, Mr. Fisk.Coloca meu chapéu em sua cabeça, mas não permite que eu o fotografe naquele figurino de caiçara. Comenta que tem o mesmo problema que eu, é cabeçudo. Por isso sabe o valor de se encontrar um bom chapéu.Conversamos durante uma hora sem interrupções. A não ser por algumas gargalhadas compartilhadas na tranquilidade da manhã de sol no jardim interno da pousada. Apesar de conviver diariamente com a morte e a tragédia, Fisk cultiva com disciplina o discreto e cortante humor inglês sempre afiado.Segue-se o resumo da conversa:Marcelo Tas: Nelson Rodrigues, escritor brasileiro homenageado na Flip, dizia: “As manchetes dos jornais não dão conta de reconhecer a catástrofe do mundo atual”. Você concorda com ele?Robert Fisk: Os jornais geralmente tratam os assuntos, especialmente a guerra, como um jogo de futebol. Concedem 50% do tempo para cada adversário. Mas a guerra não é um jogo de futebol. Se eu fosse contar a história do tráfico de escravos africanos para o Brasil deveria dar 50% de espaço para os traficantes de escravos expressar suas opiniões? E também outro tanto para os nazistas?Uma guerra é pura dor. Já estive num corredor de hospital em Bagdá com o chão “inundado” por três centímetros de sangue. Vi uma criança sem perna com sua mãe ao lado segurando seu braço decepado. Junto delas, um soldado iraquiano com o olho perfurado. Era um soldado do exército que defendia Saddam Hussein. A guerra é o fracasso da civilização.Por isso não acredito em jornalismo de manchetes. Não se pode brincar com a guerra. A imprensa numa hora dessas pode ser uma arma letal. Como foi o The New York Times que apoiou a invasão do Iraque por George Bush. O mesmo jornal disse que no Independent cobrimos o Oriente Médio como animais furiosos. Fiquei muito feliz com essa condecoração (risos).Tas: Você está conseguindo desfrutar do seu tempo livre em Paraty? Como compara esses dias aqui com sua rotina em sua casa em Beirute, no Líbano?Fisk: (um pouco ríspido) Eu não estou em férias em Paraty. Trabalho o tempo todo, como se estivesse em qualquer outro lugar do mundo, como correspondente do Independent no Oriente Médio. Saio muito pouco do quarto. Trouxe na bagagem caixas com documentos que uso para este trabalho.Tas: Você carrega papéis ao invés de tê-los no computador ou buscá-los na internet?Fisk: Eu não uso internet.Tas: O que você está dizendo?Fisk: Nem internet, nem e-mail. Uso intensamente apenas o celular. As pessoas me acham qualquer hora em qualquer parte do mundo. É um celular da companhia telefônica de Beirute. O Líbano tem um excelente sistema de comunicação. A internet atrapalha o jornalista. Com o Google, ao invés de ir direto a fonte, você lê o que fulano escreveu sobre o que sicrano disse que alguém disse. É um jornalismo digressivo.Um amigo jornalista já me criticou dizendo que abria pela manhã a internet. E depois de três horas já tinha lido o The New York Times, Corriere de la Sera, El País, The Guardian… Eu disse, meu querido, enquanto você lia eu já realizei três entrevistas com pessoas diferentes e sei muito mais sobre o que está acontecendo no mundo que você.Tas: Como você encontra equilíbrio para viver o tempo todo viajando entre países em guerra?Fisk: Tenho mais horas de vôo por ano que muitos pilotos internacionais. Não sei mais o que é jet lag. Vivo permanentemente nele. O segredo é usar sempre os mesmos hotéis e a mesma companhia aérea. Assim você vai formando uma certa família de conhecidos que está sempre em movimento. Por exemplo, eu decidi que se possível eu só uso a Air France. Os caras tem a melhor comida de bordo do mundo. Conheço todas as tripulações. Mal sento na poltrona e a chefe de cabine já vem soprar no meu ouvido: Mr. Fisk, não se preocupe, após a decolagem, já sirvo o seu gin tônica (risos).Tas: Onde estava você no dia 11 de Setembro?Fisk: Justamente dentro de um avião embarcando para os Estados Unidos. O chefe do vôo me chamou e perguntou: Robert, o que está acontecendo? Fiquei o vôo inteiro, usando o telefone via satélite da cabine, apurando os fatos. Desde o primeiro minuto, eu disse. É o ataque. Ditei o artigo para o The Independent da cabine da Air France.Tas: Você já esteve com Bin Laden. Conseguiu enxergar algum traço de amor e compaixão nos olhos dele?Fisk: Você quer um lado bom em Bin Laden? É complicado. Ele vive no deserto de sua mente. Literalmente. Vive dentro de uma caverna. E é importante que se diga, lendo livros muito importantes. Apresentou-me seus principais auxiliares e o local onde vive com suas três mulheres.É extremamente auto-confiante e dono da verdade, o que não o deixa muito distante de Bush ou Blair (risos). Um dos líderes da Al Qaeda me perguntou, por que eu quis ser jornalista? Eu disse: porque eu me interesso pela verdade. Ele disse: então você não quer ser jornalista; quer é ser muçulmano (risos).PS: livros mais recentes de Robert Fisk lançados no Brasil: "A grande guerra pela civilização" e "Pobre Nação", sobre as guerras do Líbano.
quinta-feira, 5 de julho de 2007
PARA REFLETIR...
CHACINAS NA MÍDIAJornalismo e a violência fashion
Por José Paulo Lanyi em 3/7/2007
Pense comigo, ao analisar estas duas notícias:
1. Chacina em São Paulo deixa seis mortos e um ferido
"A nona chacina deste ano na capital – e a segunda maior – aconteceu na madrugada deste sábado, na Avenida Paulista, região central da cidade. Sete rapazes, que conversavam junto a algumas motocicletas, foram obrigados por um grupo a colocar as mãos ao alto e encostar-se em uma parede no Masp. Em seguida, os criminosos dispararam contra todos, atingindo a maioria na cabeça. Eles foram socorridos no Hospital das Clínicas, onde seis não resistiram e acabaram morrendo. Uma das vítimas foi baleada apenas nas costas e sobreviveu. "
2. Chacina em São Paulo deixa seis mortos e um ferido
"A nona chacina deste ano na capital – e a segunda maior – aconteceu na madrugada deste sábado, na Rua Bittencourt da Silva, na Vila Albertina, zona norte. Sete rapazes, que conversavam junto a algumas motocicletas, foram obrigados por um grupo a colocar as mãos ao alto e encostar-se em uma parede. Em seguida, os criminosos dispararam contra todos, atingindo a maioria na cabeça. Eles foram socorridos no Hospital do Mandaqui, onde seis não resistiram e acabaram morrendo. Uma das vítimas foi baleada apenas nas costas e sobreviveu."
Qual a diferença entre os dados objetivos de uma e os da outra informação? O local. Nada mais do que isso.
A primeira foi inspirada na segunda e é uma evidente peça de ficção. Não fosse, o país inteiro estaria estarrecido e irremediavelmente consternado em meio à profusão de notícias e análises sobre esse episódio.
A segunda é real e foi publicada com a Agência EFE pelo portal do Estadão. Neste exato instante em que escrevo, é apenas a terceira em ordem de importância no site, abaixo da manchete, "Neblina e pane em radar causam atrasos em aeroportos de SP", e de outra chamada sobre segurança, "Força Nacional continuará no Rio após o Pan, diz secretário".
Na Folha Online, também vem em terceiro lugar, sob o título "Chacina deixa 6 mortos e um ferido na zona norte de São Paulo", abaixo de "Aeronáutica muda regra para vôos; Guarulhos tem atrasos" e "Carro em chamas se choca contra terminal de aeroporto de Glasgow, no sul da Escócia".
No Último Segundo, do iG, ocupa apenas o quinto posto no ranking do que deve ser interessante para o leitor, sob o título "Chacina deixa seis mortos na zona norte de São Paulo". A manchete do portal reflete, é claro, a preocupação maior de grande parcela da população da terra do futebol e da aviação civil: "Mau tempo provoca atrasos em 36,1% dos vôos no País".
Enquanto o Terra, cuja redação fica em São Paulo, simplesmente ignora o assunto na home (mas dá a imprescindível notícia de que a "namorada de filha de Gretchen estrela filme pornô"), o Globo Online, sediado a 400 quilômetroes de distância, destaca-o, mais para baixo na página: "Chacina em SP: 6 mortos na zona norte da capital". O portal carioca preferiu enfatizar, em sua manchete, o nacionalíssimo "Quase metade dos vôos está atrasada".
Jornalismo de interesses
Voltemos ao início deste artigo. Após breve exame das duas notícias, poderemos chegar à conclusão de que a distinção objetiva entre um e outro crime contra a vida será tão-somente o local em que a chacina foi praticada.
Jornalismo não se faz, contudo, apenas com objetividade, como se tem apregoado aqui e ali, felizmente com menos entusiasmo do que há alguns anos. Jornalismo se faz é com a subjetividade de quem valora a informação em nome de interesses, próprios e alheios. Tais interesses (aqueles que se aplicam pelos jornalistas) se subordinam a um conjunto de valores e de outros interesses, que se determinam pelos objetivos da empresa. Esse arco de valores e interesses também é conhecido como linha editorial.
Na esteira desse pensamento, nada mais certo dizer que a escolha da notícia deve se coadunar com o interesse do próprio público. No caso em questão, basta dizer que os leitores da internet viajam de avião e não dedicam grande atenção ao que possa acontecer com os jovens de uma favela da Vila Albertina. Mas seriam mais sensíveis se o mesmo fato se desse na glamourosa e, não menos importante, simbólica Avenida Paulista. Assim como uma chacina no Rio é "mais importante" do que uma que seja cometida em São José dos Campos.
Por tudo isso, é correto dizer que o jornalista faz as vezes de mediador de interesses: os seus, os da empresa e os do leitor. Note-se como é difícil, por princípio, contemplar os valores de toda a sociedade.
Difícil, sim, mas não impossível. O jornalista deve perseguir e exercitar uma visão sócio-antropológica em face do cotidiano. Tem obrigação de voar como a águia, não como a galinha, ciente de que o que acontece na Vila Albertina é apenas uma fração de um problema maior, que, mais dia menos dia, poderá se apresentar, se não na Avenida Paulista, no quintal da sua própria casa (por ironia, aqui retornamos ao interesse individual, que forçosamente se identifica com o coletivo).
Precisamos acordar deste sonho de grandeza a que nos habituamos, posto que inconscientemente, entorpecidos pela sensação de que estamos à margem ou, mais grave, acima dos interesses implícitos no empenho pela preservação dos direitos fundamentais da humanidade, entre os quais se impõe, soberano, o direito à vida.
Por José Paulo Lanyi em 3/7/2007
Pense comigo, ao analisar estas duas notícias:
1. Chacina em São Paulo deixa seis mortos e um ferido
"A nona chacina deste ano na capital – e a segunda maior – aconteceu na madrugada deste sábado, na Avenida Paulista, região central da cidade. Sete rapazes, que conversavam junto a algumas motocicletas, foram obrigados por um grupo a colocar as mãos ao alto e encostar-se em uma parede no Masp. Em seguida, os criminosos dispararam contra todos, atingindo a maioria na cabeça. Eles foram socorridos no Hospital das Clínicas, onde seis não resistiram e acabaram morrendo. Uma das vítimas foi baleada apenas nas costas e sobreviveu. "
2. Chacina em São Paulo deixa seis mortos e um ferido
"A nona chacina deste ano na capital – e a segunda maior – aconteceu na madrugada deste sábado, na Rua Bittencourt da Silva, na Vila Albertina, zona norte. Sete rapazes, que conversavam junto a algumas motocicletas, foram obrigados por um grupo a colocar as mãos ao alto e encostar-se em uma parede. Em seguida, os criminosos dispararam contra todos, atingindo a maioria na cabeça. Eles foram socorridos no Hospital do Mandaqui, onde seis não resistiram e acabaram morrendo. Uma das vítimas foi baleada apenas nas costas e sobreviveu."
Qual a diferença entre os dados objetivos de uma e os da outra informação? O local. Nada mais do que isso.
A primeira foi inspirada na segunda e é uma evidente peça de ficção. Não fosse, o país inteiro estaria estarrecido e irremediavelmente consternado em meio à profusão de notícias e análises sobre esse episódio.
A segunda é real e foi publicada com a Agência EFE pelo portal do Estadão. Neste exato instante em que escrevo, é apenas a terceira em ordem de importância no site, abaixo da manchete, "Neblina e pane em radar causam atrasos em aeroportos de SP", e de outra chamada sobre segurança, "Força Nacional continuará no Rio após o Pan, diz secretário".
Na Folha Online, também vem em terceiro lugar, sob o título "Chacina deixa 6 mortos e um ferido na zona norte de São Paulo", abaixo de "Aeronáutica muda regra para vôos; Guarulhos tem atrasos" e "Carro em chamas se choca contra terminal de aeroporto de Glasgow, no sul da Escócia".
No Último Segundo, do iG, ocupa apenas o quinto posto no ranking do que deve ser interessante para o leitor, sob o título "Chacina deixa seis mortos na zona norte de São Paulo". A manchete do portal reflete, é claro, a preocupação maior de grande parcela da população da terra do futebol e da aviação civil: "Mau tempo provoca atrasos em 36,1% dos vôos no País".
Enquanto o Terra, cuja redação fica em São Paulo, simplesmente ignora o assunto na home (mas dá a imprescindível notícia de que a "namorada de filha de Gretchen estrela filme pornô"), o Globo Online, sediado a 400 quilômetroes de distância, destaca-o, mais para baixo na página: "Chacina em SP: 6 mortos na zona norte da capital". O portal carioca preferiu enfatizar, em sua manchete, o nacionalíssimo "Quase metade dos vôos está atrasada".
Jornalismo de interesses
Voltemos ao início deste artigo. Após breve exame das duas notícias, poderemos chegar à conclusão de que a distinção objetiva entre um e outro crime contra a vida será tão-somente o local em que a chacina foi praticada.
Jornalismo não se faz, contudo, apenas com objetividade, como se tem apregoado aqui e ali, felizmente com menos entusiasmo do que há alguns anos. Jornalismo se faz é com a subjetividade de quem valora a informação em nome de interesses, próprios e alheios. Tais interesses (aqueles que se aplicam pelos jornalistas) se subordinam a um conjunto de valores e de outros interesses, que se determinam pelos objetivos da empresa. Esse arco de valores e interesses também é conhecido como linha editorial.
Na esteira desse pensamento, nada mais certo dizer que a escolha da notícia deve se coadunar com o interesse do próprio público. No caso em questão, basta dizer que os leitores da internet viajam de avião e não dedicam grande atenção ao que possa acontecer com os jovens de uma favela da Vila Albertina. Mas seriam mais sensíveis se o mesmo fato se desse na glamourosa e, não menos importante, simbólica Avenida Paulista. Assim como uma chacina no Rio é "mais importante" do que uma que seja cometida em São José dos Campos.
Por tudo isso, é correto dizer que o jornalista faz as vezes de mediador de interesses: os seus, os da empresa e os do leitor. Note-se como é difícil, por princípio, contemplar os valores de toda a sociedade.
Difícil, sim, mas não impossível. O jornalista deve perseguir e exercitar uma visão sócio-antropológica em face do cotidiano. Tem obrigação de voar como a águia, não como a galinha, ciente de que o que acontece na Vila Albertina é apenas uma fração de um problema maior, que, mais dia menos dia, poderá se apresentar, se não na Avenida Paulista, no quintal da sua própria casa (por ironia, aqui retornamos ao interesse individual, que forçosamente se identifica com o coletivo).
Precisamos acordar deste sonho de grandeza a que nos habituamos, posto que inconscientemente, entorpecidos pela sensação de que estamos à margem ou, mais grave, acima dos interesses implícitos no empenho pela preservação dos direitos fundamentais da humanidade, entre os quais se impõe, soberano, o direito à vida.