domingo, 22 de julho de 2007

Walter Ceneviva

Obs.: O Walter Ceneviva é, como nossa amiga Marilene Polastro, advogado, mas também conseguiu a façanha de também ser jornalista.

Folha de S.Paulo - 21 de julho

Até quando?

O costume das companhias e das autoridades de manter descompasso com a verdade nos levou à descrença final

ENQUANTO PASSAGEIRO RELATIVAMENTE freqüente de nossas companhias aéreas, sinto-me credenciado como uma espécie de procurador informal de todos os meus companheiros de sofrimento para perguntar: até quando as autoridades e as empresas continuarão abusando de nossa paciência, fazendo-nos vítimas inocentes com sua omissão e sua incompetência? Confesso que não tenho originalidade, pois Marco Túlio Cícero, orador romano, nascido cerca de um século antes de Cristo, já perguntava até quando Catilina abusaria da paciência de Roma. Cícero terminou por sufocar, com sua palavra fluente, as ações de Catilina.

A esperança dos clientes da aviação brasileira é a de que empresas e autoridades parem de contar lorotas e definitivamente ponham um fim nos erros e deficiências do transporte aéreo, que geram tantas vítimas.

Para medir as responsabilidades governamentais é preciso ir à Constituição. Em matéria de viagens aéreas, os maiores encargos recaem sobre os órgãos federais, tanto no alusivo à Carta Magna, quanto ao Código Brasileiro de Aeronáutica. O papel principal é desempenhado por uma empresa federal (a Infraero), cabendo-lhe, num resumo muito restrito, as questões de terra, com aeroportos e sua operação. Com o Ministério da Aeronáutica ficam as questões de controle de vôo, entre outras missões. Na cúpula da administração se acha o presidente da República, ao qual o artigo 85 atribui responsabilidade pelo cumprimento das leis. O artigo 84 enuncia a competência privativa do chefe do Executivo para "exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal". O presidente é o responsável mediato, pois os envolvidos diretamente são seus subordinados, a contar do ministro da Defesa e do comandante da Aeronáutica.

Na administração pública, nada do que acontece hoje -ou quase nada- surge por obra dos atuais ocupantes de altos cargos. Nossos políticos assumem a atitude pouco séria de se afirmar responsáveis por eventuais sucessos, mas de responsabilizar seus antecessores por falhas constatadas. Isso explica as reformas em aeroportos embelezados, pois nos impressionam -a nós, os basbaques que passamos por eles-, mas sem a mesma aplicação na segurança essencial, mais importante que tudo. Só percebemos a omissão em uma crise grave, como nesta semana.
A omissão, pondo nossa paciência à prova, levou ao que se tem chamado de "apagão", palavra simplória que não retrata as horas passadas à espera dos vôos, sem satisfação dada, rápida e verdadeira, aos consumidores do serviço aéreo. O costume das companhias e das autoridades de manter permanente descompasso com a verdade nos levou à descrença final. Nada de que digam é acolhido serenamente. Abusaram muito da nossa paciência. É chegada a hora de pararem com isso. De se desnudarem quanto aos fatos, em modo claro, direto e, se possível, honesto. "Quousque tandem abutere patientia nostra?", perguntaria Cícero.

O governo tem punido sargentos. Funcionários das empresas têm sido agredidos por passageiros revoltados. São os fracos respondendo pelos erros dos fortes. Não é o que a cidadania responsável quer, mas vai ter de ir à luta, para mudar. Quantas mortes mais serão necessárias?

Nenhum comentário: