terça-feira, 5 de junho de 2007

IMPRENSA E MERCADO


O JORNALISMO que se propõe a manter um compromisso público com a qualidade do que divulga encontra-se sob pressão num mercado invadido por empresas preocupadas com corte de custos e com lucros imediatos.
A idéia, que não é nova, foi elaborada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, um dos mais renomados pensadores vivos, no artigo "O Valor da Notícia", publicado no último domingo nesta Folha. Habermas faz coro aos que identificam, no público atual, um interesse decrescente por temas institucionais e uma curiosidade intensa por celebridades e entretenimento.
Na conjugação das duas tendências, os veículos voltados ao jornalismo "sério" estariam, na visão do filósofo, sob grave ameaça. Já pelos termos em que o problema é formulado, vê-se que Habermas endossa uma distinção demasiado estanque entre jornalismo "de qualidade" e "de entretenimento".
Há gradações entre um modelo e outro. E, se um jornalismo superficial, irresponsável e barato parece ganhar espaço no conjunto da mídia, por outro lado o modelo enaltecido por Habermas é uma torre de marfim da qual se afastam parcelas expressivas de potenciais consumidores de informação e opinião.
O verdadeiro desafio para o jornalismo de qualidade é o de assegurar seus compromissos básicos (veracidade, relevância pública dos temas e enfoques, debate de idéias) mas ao mesmo tempo renovar-se para cativar leitores que também mudaram. A vulnerabilidade maior do texto, no entanto, está na solução sugerida. Habermas acredita que veículos de comprovada atuação "séria" -como julgá-lo? quem julgaria?- devam merecer subsídio do Estado, por representarem valores de interesse público. Solução inusitada, que faz pensar na estatolatria que tantas vezes se atribuiu à mentalidade alemã.
Seria um passo temerário. Até o mais cauteloso modelo de canalização de fundos públicos poderia gerar dependência dos veículos beneficiados em relação ao Estado, eventualmente ao governo de plantão.
A imprensa criou suas primeiras raízes na praça livre, espaço de circulação de bens e idéias que se formou à revelia do controle estatal. De resto, o jornalismo de qualidade já enfrentou com êxito apreciável a competição oriunda de outras ondas de inovação tecnológica e de sedução fácil do público, a exemplo do advento do rádio e da TV.
fonte: Texto do editorial da folha de São Paulo - sábado 02 de junho de 2007

7 comentários:

Marcelo Rodrigues disse...

Os tempos são outros, a cabeça das pessoas funciona de outro jeito e a valocidade com que tudo muda é cada vez mais rápida. Está tudo tão maluco, que a mudança hoje em dia não é mais aquela do conflito de gerações. Dentro de uma mesma geração os interesses e a mentalidade mudam de acordo com os acessos, as oportunidades, os menores detalhes da existência de cada um e acabamos por nos "entrincheirar" e nos ver cada vez mais fora ou dentro dos "esquemas" e distantes dos sonhos (utopia?). Não tenho esse fascínio pela velocidade que a pós-modernidade nos empurrou goela abaixo.
Esse é o maior dilema, tanto na minha vida profissional quanto na pessoal.

Walter Guimarães disse...

É o que o Baumann comenta na série "líquida" que continua escrevendo. A modernidae, o amor, as relações estão cada vez mais líquidas. Tudo corre onde tiver espaço para escorrer. Nada mais se prende a nada. Este discurso mostra a sociedade que vivemos, mas será que não podemos ir atrás de outros conceitos? Será que precisamos acompanhar a "maioria"? Para mim não é necessário. Ainda podemos fazer jornalismo como era feito em outras épocas. Ontem na biblioteca do IESB abri uma página do livro da Walnise Nogueira sobre Canudos e li a introdução de uma matéria. Simplesmente "atualíssimo". Poderíamos abrir uma matéria sobre a rodoviária de BSB ou mesmo sobre a Feira da Ceilância, que caberia bem, seria criativo. Falta isto. Leitor que é leitor, se prende ao bom texto, independente da "pós-pós-modernidade". Acho que falei demais.

Raquel Campos disse...

Estou lendo o livro " A corrosão do caráter" (muito bom por sinal...) que fala um pouco sobre isso também, sobre como estão nossas relações atualmente. Não pensamos mais a longo prazo, aliás, não existe mais longo prazo, é tudo imediato, tudo precisa ser feito na mesma hora e assim tudo se torna perecível. Acho que isso é realizado com o jornalismo também. Hoje escrevemos uma matéria e amanhã já será esquecida, mesmo após tanto trabalho. Acho que as matérias deveriam ser "imortais", como são algumas reportagens, que não caem no esquecimento rotineiro, mesmo com nosso imediatismo e nossa falta de tempo.

Raquel Campos disse...

Essa rapidez dos dias de hoje me confunde e as vezes me enlouquece. É tanta informação que não tenho tempo para refletir, para aprofundar em quase nada. Fico apavorada quando eu penso no risco de entender somente a superfície das coisas, sem profundidade. É nessas horas que eu vejo que de vez em quando a gente tem que parar tudo pra respirar um pouco e analisar o que está acontecendo nessa realidade tão caótica, hehehe, pra então poder formar uma opinião de verdade, que não seja mediada pela parcialidade da mídia, nem pelo senso-comum.

Maria Carolina disse...

A questão do tempo é importante, mas acho que mais que isso é a responsabilidade dos meios de comunicação. Acredito que seja inocência creditar total independência a um órgão financiado pelo governo.Ao mesmo tempo, algo deveria ser feito que obrigasse a imprensa a cumprir o seu papel social e não só perseguir (feito um cachorro esfomeado) o aumento de audiência.

Maria Carolina disse...

Sobre essa pós-pós modernidade, morro de rir. A minha mãe costuma chamá-la de " era do fast-food": tudo (desde as nossas relações até o noticiário da noite) é superficial, com gosto de isopor, e não faz bem.

Walter Guimarães disse...

Raquel, fico muito feliz de saber de sua leitura. O Sennett é o "cara" do momento. A Corrosão do Caráter é o melhor livro dele, e acho que poderíamos marcar a nossa primeira "leitura dirigida" do grupo, começando justamente com esta obra. Acho um ótimo tema para o final de semana de julho em Piri ou qualquer outro lugar.

M.Carol, sobre fast food, tem o Fast Food Nation (foi traduzido). Dá para fazer uma ótima analogia como você a sua mãe fizeram. Tenho em inglês.